sexta-feira, 4 de março de 2016

Cinema Não é Lugar pra Cinéfilos

Algumas observações rápidas um dia depois de sair de uma sessão de cinema no interior de São Paulo:

- A Bruxa (2015) é tão bom quanto os críticos estão dizendo?

SIM, é um dos melhores filmes de horror dos últimos anos.

- É uma obra-prima, um novo clássico?

Depende dos parâmetros de comparação. Se o parâmetro for a história do cinema de horror como um todo, A Bruxa pode ser considerado ao menos digno de figurar lado a lado com algumas das obras mais significativas dentro do universo do horror de baixo orçamento dos anos 60 e 70, particularmente o folk horror europeu ou de inspiração europeia (até o uso do arcaico formato de tela 1.66:1 remete a esse período). Me lembrou bastante pérolas cult como The Blood on Satan's Claw (1971), Incubus (1965) e Messiah of Evil (1973) e, sim, isso é um puta elogio! Se é um novo clássico, isso só o tempo pode dizer. Agora, se o parâmetro de comparação for a média do cinema de horror jumpscare boboca de hoje em dia, então sim, A Bruxa é uma obra-prima.

- É o filme mais assustador de todos os tempos?

Então, afirmações megalomaníacas como essa tendem a ser prejudiciais para o gênero pois criam uma expectativa que nem mesmo o melhor filme de horror do mundo daria conta de corresponder. Nada é mais assustador do que aquilo que você cria na sua imaginação e um hype exagerado como o que A Bruxa tem recebido só serve para distorcer expectativas. Além disso, como eu sempre digo, "dar medo" é algo muito vago, relativo e pessoal. Algumas pessoas cagam de medo vendo um filme e outras acham o mesmo filme engraçado, especialmente no caso de espectadores mais cínicos e/ou impacientes. Sabe aquele seu amigo que finalmente resolve assistir O Exorcista, O Iluminado ou O Bebê de Rosemary e, com uma puta empáfia, comenta depois que "esperava mais"? É por aí.

- Vale a pena ver no cinema?

Receio que não, porque cinema não é (mais) lugar pra cinéfilos. A Bruxa simplesmente não combina com multiplexes de shopping e com o público acostumado a frequenta-los. Décadas de adestramento hollywoodiano acabaram criando espectadores que encaram a experiência cinematográfica como uma relação de custo benefício puramente comercial: "estou pagando, me entretenha" ou "vai logo, me assusta!" e A Bruxa simplesmente não trabalha nessa chave. O filme se vale de pequenos detalhes, sutilezas e ambiguidades, jamais reduzindo o potencial de suas imagens com explicações pseudo-didáticas. Não sinaliza com "assuste aqui", "tenha medo agora", "a moral da história é essa", preferindo construir uma atmosfera sinistra na qual o fantástico se insinua lentamente, deixando para o público o prazer (e a responsabilidade) de interpretar e significar a narrativa que se desenrola. Receita perfeita para enfurecer o espectador/consumidor mais típico que, via de regra, simplesmente não está interessado em mais do que uma diversão ligeira. Na sala onde eu estava, cada imagem ambígua e desconcertante criada pelo diretor era recebida com suspiros irritados, ruído de bundas remexendo nas poltronas, risadas desdenhosas e comentários em voz alta. Ao fim da sessão as pessoas faziam questão de alardear umas pras outras (de forma curiosamente melodramática): "É o pior filme que já vi na vida", "Críticos não sabem de nada", "Não gastou um tostão e ficou rico", etc, etc. Uma característica marcante do espectador/consumidor é a arrogância.

É claro que, como já disse, o hype potencializa bastante reações desse tipo. É bem possível que as mesmas pessoas que saíram do cinema com tanta raiva, teriam se borrado de medo e amado o filme se o tivessem visto por acaso, sem preparo ou expectativas, numa sessão aleatória de madrugada no Netflix. Circunstâncias afetam sim, e muito, a apreciação de um filme, especialmente no caso do horror que sempre funciona melhor na solidão, bem longe da "galera" (a não ser as comédias de horror, mas aí é outra história). Tudo isso torna contraindicado ver A Bruxa nos cinemas. É difícil impedir que sua apreciação pessoal seja afetada por tanta má vontade ao seu redor. Atrapalha sim, não adianta dourar a pílula. Some isso ao fato de que, na sala onde eu estava, os silêncios e a trilha minimalista eram constantemente encobertos pelos estrondos do Deadpool dublado na sala ao lado e fica evidente que, se sua intenção é realmente apreciar cinema artisticamente e não apenas consumir mais um filme, faz mais sentido ver A Bruxa em casa, numa boa TV de alta resolução, sem distrações e problemas técnicos fora do seu controle. Se faz mesmo questão de ir no cinema, procure uma sala pequena e alternativa, equivalente aos festivais onde o filme foi inicialmente acolhido e construiu sua fama, bem longe dos shoppings e multiplexes.

Cinema de horror de verdade não é para amadores. 


Um comentário:

  1. Tive uma experiencia muito semelhante em uma sala de cinema em Viçosa - MG

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