"São, infelizmente, na maioria das vezes, as emoções malignas que são capazes de deixar suas fotografias sobre as cenas e objetos em volta. Quem já ouviu falar de um lugar assombrado por uma nobre ação, ou de belos e adoráveis fantasmas revisitando os vislumbres da lua? É lamentável. Mas só as paixões perversas dos corações dos homens parecem fortes o suficiente para deixar imagens que persistem; as boas são sempre mornas." - Devoção Secreta (1908)
É até difícil pra mim falar em Algernon Blackwood. Não é sempre que um autor, por mais clássico que seja, consegue me pegar num nível quase pessoal, não só numa história ou outra, mas praticamente em toda a sua obra!
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"'Ai de mim! Essa altura impetuosa! Meus pés de fogo! Meus pés em brasa ardente!' vinha ao longe, suplicando em ênfases de apelo indescritível, esta voz desconsolada descendo dos céus." O Wendigo (1910) Arte de Lynd Ward |
Talvez isso nem devesse me surpreender, num cara que impressionou tanto até Lovecraft, mas eu meio que esperava isso dos títulos consagrados, tipo Os Salgueiros ou O Wendigo (1910), não de pequenas joias como O Encanto da Neve (1912) e A Estranha Morte de Morton (1910). O sorriso da menina vampira, cujos traços "não se deixam reter pela memória", permanece me assombrando tanto quanto o lamento surreal de Défago sendo levado embora pelo Wendigo, e se me perguntarem por que essas coisas me impactaram tanto, pode ser que eu tenha dificuldade pra explicar. Está nas entrelinhas, numa espécie de ressonância mítica, talvez uma memória ancestral, o pavor dos grandes ermos, da indiferença e imponderabilidade da natureza, o horror cósmico mesclando-se ao folk horror até se tornar uma coisa só.
Suponho que o histórico do autor com sociedades herméticas de estudo ocultista ajude, ao menos em parte, a explicar essa potência. Particularmente eu tendo a "no creer em brujas", mas o fato é que o único outro escritor capaz de me afetar de forma semelhante é Arthur Machen, que frequentava a Golden Dawn na mesma época de Blackwood, e seu personagem recorrente mais famoso, John Silence, ao contrário do cético e paracientífico Carnacki de William Hope Hodgson, soa muito mais como um iniciado nas ciências ocultas do que como o tradicional detetive do oculto da ficção pulp.
Enfim, não sei explicar porque Blackwood me pega tanto. Mas talvez seja melhor assim. Silentium est Aurum, como se diz. No fim, o que importa é ler.😉
Aproveitando o Ensejo:
"O gato selecionado, já adulto, vivia com John Silence desde filhote, um filhote de espantosa doçura e travessuras audaciosas. Era caprichoso e fantasioso, sempre ocupado com seus jogos misteriosos nos cantos da sala, pulando em nadas invisíveis, saltando de lado no ar e aterrissando com as minúsculas patas em outra parte do tapete, mas, com um ar de seriedade digna, mostrando que a performance era necessária ao seu bem-estar, e não feita apenas para impressionar o estúpido público humano. No meio de uma limpeza elaborada, ele erguia os olhos, assustado, como se visse a aproximação de algum invisível, inclinava a cabecinha para o lado e estendia uma pata de veludo para inspecionar com cuidado. Então ele se distraía, e olhava com a mesma intensidade para outra direção – apenas para confundir os espectadores – e, de repente, continuava a lamber furiosamente o corpo mais uma vez, mas em um lugar totalmente novo. Exceto por uma mancha branca em seu peito, era preto como carvão. E seu nome era... Pazuzu." - Uma Invasão Psíquica (1908)
Sim, eu sei que o gato da história se chama Fumaça, mas Pazuzu é o MEU gato, tá bom?!😜 E o ÚNICO ponto em que ele difere da descrição é no nome! Até a manchinha no peito ele tem!🥰
Mas falando sério (ou não), tem como não se apaixonar por um detetive do oculto que investiga uma casa assombrada levando um gato preto e um collie como assistentes?🤗Mas se isso não for suficiente pra você, só vou comentar mais quatro coisinhas:
1) Das seis (longas) histórias do personagem, nenhuma é menos que espetacular. Ponto!
2) Em cada uma dessas seis histórias há pelo menos uma passagem como aquela no topo da postagem; aforismas que extrapolam os limites da narrativa e se tornam quase como reflexões críticas sobre o gênero do horror e a ficção fantástica de modo geral.
3) Doses experimentais de "Cannabis indica" resultam em considerável ampliação da clarividência e contato direto com outros planos e forças transcendentais do além (sem contar a larica e o senso de humor histérico, naturalmente). Na dúvida sobre o quanto seria exatamente uma "dose experimental", digamos que é conveniente usar com moderação.😅
4) Talvez seja só eu, mas toda vez que Blackwood descreve o Dr. Silence, a imagem que me vem na cabeça é o Peter Cushing usando barba.😉
Tenho em mãos o volume mais recente lançado pela Clock Tower/Ex Machina "O salgueiro e outros assombros da natureza" e o seu texto me deu ainda mais vontade de conhecer os textos do Blackwood. Aliás, os seus textos são sempre tão bem escritos e ricos de informações que se você ainda não escreveu um livro a respeito de qualquer tema dos quais você domina, por favor pense nisso. Aliás, quem sabe um curso online pra falar a respeito de cinema e literatura de horror old school? Adoraria participar.
ResponderExcluirAbraço, Vitória
Quem sabe um dia, né?🙂 Por agora eu meio que considero o blog como meu livro. E, de certa forma, uma aula aberta infinita.😉
ExcluirTeu blog é precioso!!!
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