, um dos ícones do cinema fantástico mundial, embora não tão conhecido ou lembrado quanto
, etc. E de todos os pecados que a versão de cinema comete, na minha opinião o maior de todos foi ter reduzido ao mínimo todas as sequencias com a participação do veterano ator. Com mais de 200 títulos na carreira (o que rivaliza até com o tio Lee), Pleasence meio que se especializou em personagens excêntricos, ligeiramente fora da caixinha, sempre um tanto
e, por isso mesmo, marcantes. Não tendo a aparência exigida para ser galã ou estrela, essa escolha profissional acabou se revelando bem mais interessante do que virar o eterno coadjuvante médico, político, ou pai de alguém. Não que não fizesse papéis desse tipo, mas quando fazia era um Dr. Seward que passava o filme inteiro hilariamente comendo alguma coisa, como no
(reza a lenda que fez isso pra complicar o trabalho do continuísta e assim tornar mais difícil que suas cenas fossem cortadas). Ou um presidente dos EUA que inesperadamente metralha o vilão e salva o herói, em
. Ou então, se fosse pra ser pai de alguém, por que não de uma bruxa, como em
Esse era Donald Pleasence, cuja presença em qualquer filme sempre me fez abrir um sorrisão de orelha a orelha, como voltou a acontecer recentemente quando o reencontrei num dos episódios da série
Agatha Christie´s Miss Marple, contracenando com a maravilhosa
Joan Hickson. E quem não se lembra do primeiro e mais marcante
Ernst Blofeld, em
Com 007 Só se Vive Duas Vezes? Cicatriz no olho e gatinho no colo, a imagem mais arquetípica de vilão megalomaníaco veio justamente de sua performance! Mas Pleasence podia ser assustadoramente sério quando era necessário, como em sua fantástica composição de William Hare, da folclórica dupla de ladrões de cadáveres da Inglaterra vitoriana,
Burke and Hare, no arrasador
The Flesh and the Fiends, de 1960.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiI28MFCxeiMoiGOKxJtjTr7gzJ9wrGyPGy56nnAebN87i-ia3gwQ0Q6lHOqRo4Rgc8vzSrFuFlhDuDispO6R7vPEidi8q_6VvRg2QGlQ8Rg3WvN1QZ0PeQwcjWxaj_0pb2-MMdR4znbHo/w213-h320/halloween+donald.jpg) |
"...descobri que por trás daqueles olhos negros
havia apenas... o mal." Halloween (1978)
|
Mas pra quem cresceu com o cinema de horror dos anos 80 a figura do ator se tornou indissociável do implacável e assombrado Dr. Sam Loomis da
franquia Halloween. Pleasence, meio que sem querer, teve a oportunidade de criar uma versão moderna do
Dr. Van Helsing para um novo tipo de monstro que dominaria o cinema de horror da década de 80, desbancando os Dráculas e Frankesnteins do passado: o psicopata sobrenatural dos
slasher movies.
No clássico original de John Carpenter, Loomis era a voz que dava peso à
persona sem rosto de Michael Myers, aquele que reconhecia no ex-paciente a encarnação do mal absoluto e tentava, de sua posição de autoridade como psicólogo, traduzir essa epifania para os demais personagens (e para o espectador). Era através de seus discursos obsessivos (que o veterano ator conseguia tornar críveis, por mais absurdos que fossem) que aprendíamos a temer a silhueta sinistra de Michael espreitando as
babysitters, não apenas da forma concreta e racional com que temeríamos um simples assassino, mas também da forma abstrata e transcendente com que tememos demônios e fantasmas. Em suma, se Donald Pleasence dizia que Michael Myers era o bicho-papão, então ele era! Fim de papo!
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiVb5UutxaYQAlkdrLxfR2lkOLiAMVvL59rhyEPophf0TAqr3HTeOGfl4ytEqLS2-z2p_8Iq4pnxXuYe8jHKFT2jE1c9IOEyGXYZyMsYTnFPaWYmteTOh4T7DUrQPpLXmWMS4ynZEyg6pg/w320-h210/WARLOCK-w-costars-H2-jpg.jpg) |
Muito amor no coração com Dick Warlock e Jamie Lee Curtis
no set de Halloween II (1981) |
A importância do ator para a franquia foi tanta que o Dr. Loomis acabou, na prática, se tornando tão "imortal" quando o próprio Michael. Quando
Halloween 3 fracassou em convencer a audiência de que era viável continuar a série com histórias e personagens diferentes a cada dia das bruxas, Moustapha Akkad não hesitou em trazer Loomis de volta dos mortos em
Halloween 4, depois de ter sido literalmente explodido no
segundo filme! Por mais absurdo que fosse ver Pleasence surgir em cena com apenas algumas cicatrizes no rosto, uma bengala e nem sequer uma tentativa de explicação de como tal milagre foi possível, o fato é que ninguém se importou muito com isso, tal era o prazer de vê-lo em cena novamente. Daquele momento em diante não havia dúvidas de quem era realmente o protagonista da série, ainda mais com
Jamie Lee Curtis fora da jogada (não por acaso ela foi trazida de volta logo depois da morte do ator). Talvez não fosse exatamente uma das formas mais dignas de se tornar um protagonista, mas o fato é que se
Halloween se destacava entre as franquias intermináveis do período era justamente porque podia contar com o velho e bom Dr. Loomis filme após filme e isso era muito mais do que
Sexta Feira 13 tinha a oferecer.
E é por tudo isso que quando revi o malfadado
Halloween 6 na sua "versão do produtor" foi impossível não ficar surpreso e encantado. Por mais que o filme continue ruim, Donald Pleasence ganha muito mais tempo em tela, com versões mais longas e mais desenvoltas de quase todas as cenas que eu já conhecia, o que permite uma visão bem mais clara e mais abrangente de como foi, de fato, a sua última performance em tela... e isso é um verdadeiro presente! Já de cara é a voz do Dr. Loomis que ouvimos na narração em
off que rola durante os créditos de abertura, o que faz infinitamente mais sentido (tanto para o filme em si quanto para a série como um todo) do que o personagem Tommy Doyle na versão de cinema. Reza a lenda que o diretor Joe Chappelle encolheu as aparições de Pleasence porque o achava enfadonho, o que demonstra os níveis abismais de mediocridade que o cinema de gênero nos anos 90 conseguia atingir nos seus piores momentos (pensando bem... também ajuda a entender porque, nesse caso, a versão melhorzinha é a "do produtor").
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Chega de tanta sofrência... |
Chega a ser comovente reencontramos Loomis confortavelmente instalado numa casinha bem aconchegante, anos depois dos acontecimentos do filme anterior, tirando um sarro do locutor da rádio que comenta sobre sua suposta morte. E é fascinante constatar o quanto o velho doutor parece diferente. Mesmo que visivelmente frágil, quase encolhido, como costuma acontecer com pessoas muito idosas, ele parece mais leve, mais bem humorado, até meio bobo... um simpático e sorridente tio bonachão. É um contraste gigante com o vingador obcecado que nos acostumamos a esperar, o demente furioso que chegou a usar a pequena Jamie Lloyd como isca para atrair Michael para uma armadilha, literalmente segurando uma criança aterrorizada de 12 anos diante de um monstro sanguinário enquanto berrava "
venha pegar a sua garotinha!" (um dos momentos mais espetaculares da carreira do ator e, se querem saber, um dos vários motivos de, apesar dos pesares, eu realmente gostar de
Halloween 5).
O que vemos nas cenas estendidas é um Loomis que parece ter feito as pazes com seus demônios e se permitido ocupar de outras coisas na vida além de ficar eternamente esperando por um possível retorno de Michael, incluindo uma operação de enxerto de pele que eliminou as velhas cicatrizes do rosto, um detalhe inexplicado na versão de cinema e que, imagino, foi feito mais para poupar o idoso ator de se submeter novamente a incômodas sessões de maquiagem. Mesmo quando surgem as evidências de que Michael está de volta, Loomis mantém uma serenidade até então inédita na série, mas que faz pleno sentido se considerarmos a trajetória de um personagem no crepúsculo de uma vida inteira de estudos sobre o oculto e a natureza do mal.
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Uma performance mais serena, mesmo nas cenas mais tensas. |
Mas para além de questões de construção de personagem (que, no fim das contas, o filme nem sequer sabe aproveitar) o que realmente fica é algo que extrapola a ficção e atinge aquele ponto nebuloso em que a arte e a vida se confundem. A sensação de testemunharmos os últimos dias de vida (Pleasence morreria ainda durante as filmagens) de um ator em paz consigo mesmo e com o personagem que, para o bem ou para o mal, sempre será o mais lembrado de toda a sua carreira. É como se ele tivesse compreendido (bem mais do que limitados produtores, roteiristas e diretores) que, àquela altura do campeonato, era hora do velho Dr. Sam Loomis alcançar alguma forma de redenção. E já que a série sequer lhe permitiu a dignidade de uma morte heroica, arrastando-o indefinidamente de um roteiro medíocre pra outro, então pra que esquentar a cabeça? O lance era meio que sequer "atuar", apenas deixar que os vazios dramatúrgicos da trama e do personagem fossem preenchidos pela presença de espírito, a bonachice, e até uma certa melancolia, do próprio Donald Pleasence, da forma como sempre foi descrito e lembrado pelos inúmeros colegas de profissão. É ele que vemos em tela nessas cenas estendidas... sereno e em paz. Dane-se o final indigno e desrespeitoso reservado ao personagem mesmo nessa versão. Nossa prerrogativa como público é ter o poder de construir nossas próprias versões de qualquer obra artística, para além de quaisquer
director´s ou
producer´s cuts, nos concentrando nas poucas e belas cenas do bom doutor em sua casa, nos recebendo para um brinde e conversando sobre os velhos tempos. Afinal há tantas histórias para contar.
Christopher Lee costumava dizer que tinha feito muitos filmes ruins na sua longa carreira, "
mas o que importa é que eu estava ótimo em todos eles". Donald Pleasence teria brindado a isso.
Cheers, my dear doctor!
Ainda não vi Halloween, mas vi o Donald em THX 1138 e ele tem muita presença: Donald "Presença" :D. No mais, eu não imaginava que a série de filmes tinha chegado tão longe (sem falar nas refilmagens, reboots e coisa que o valha mais recentes)!
ResponderExcluirChegou super longe... oito filmes oficiais, depois a refilmagem (que me fez odiar Rob Zombie até a última geração), a continuação da refilmagem (que jamais verei) e agora John Carpenter e Jamie Lee Curtis estão planejando um novo filme que só leva em consideração o clássico de 78. Mas claro que só escrevi esse post pra falar do Donald "Presença" mesmo, ele era o máximo e merece ser mais lembrado... e não só por Halloween. ;)
ExcluirHalloween é uma salada que todos amam comer, seja azeda no 3, amarga no 4, 5, e intragavel no 6 mas os dois filmes de Robie Zombie são muito bem explicados e fazem muito mais sentido. Agora vem este de 2018, vou ver pq sou fã da série mas já sei que vai ser lixo.
ResponderExcluirSe arrependeu?
ExcluirO pior é que o filme é bom hushuahsuhaushuahsuha
ExcluirAlguém tem link do torrent da versão do produtor?
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