Quando Alan Moore publicou pela primeira vez Providence, sua épica releitura da obra de H. P. Lovecraft, um dos pontos que mais causou rebuliço entre os fãs mais xiitas do tio HP foi o fato de que o protagonista era um homem gay. Uma "polêmica" que sempre achei curiosa, visto que, nesse caso em particular, Moore estava longe de ser o pioneiro. Dan Gildark chegou bem antes, com seu filme Cthulhu de 2007. Assim, me parece conveniente, agora que a cultuada HQ está finalmente saindo no Brasil pela Panini, chamar a atenção pra essa pequena pérola injustiçada do cinema fantástico. Cthulhu é um filme fora da caixinha em inúmeros aspectos, o que o torna, simultaneamente, interessantíssimo e um absoluto fracasso comercial, a ponto de ser quase desconhecido hoje em dia, mesmo sendo relativamente novo.

Mas a coisa não pára por aí. A partir de um plot livremente inspirado em A Sombra de Innsmouth, o diretor parece determinado a, propositalmente, tentar quebrar todas as regras possíveis de como tornar um longa metragem de horror vendável:
1) Estabelece de imediato, sem nenhum tipo de explicação expositiva e mastigada, uma "realidade alternativa" em que a Ordem Esotérica de Dagon é tão comum e corriqueira quanto qualquer igreja evangélica, numa trama apocalíptica, porém intimista, em que o advento de Cthulhu/Dagon e o retorno dos antigos é tranquilamente debatido pelos personagens como um fato inevitável da vida, esperado por alguns, temido por outros, talvez até desacreditado, mas que não causa maiores estranhamentos em ninguém... exceto no espectador que, de cara, tem seu senso de verossimilhança, um dos maiores taboos nas narrativas fílmicas, completamente sacudido.
2) O desenvolvimento da trama se dá inteiramente pelo ponto de vista de um protagonista cujo senso de realidade está se despedaçando e que jamais consegue desvendar a totalidade dos mistérios que o envolvem, o que tende a causar frustração numa grande parcela do público que não tolera mistérios e/ou cenas enigmáticas sem explicação ou sentido lógico.
3) Jamais revela os monstros (sim, Cthulhu NÃO aparece, não crie expectativas erradas) e nem se utiliza de nenhum tipo de efeito especial, deixando (quase) tudo a cargo da imaginação, o que é extremamente incomum quando se trata de adaptações de Lovecraft;
4) O final é absurdamente aberto, tipo MUITO mesmo, a ponto de chocar e te arrancar um "What?" quando os créditos finais, do nada, começam a subir na tela. É algo simultaneamente frustrante e marcante, muito mais marcante do que qualquer resolução convencional, mas nem é preciso explicar o quanto esse final já foi xingado pelos comentários internet afora, não é?
Dito isso, fica claro que Cthulhu não é um filme fácil e não é de se estranhar que tenha se tornado uma das adaptações de Lovecraft mais odiadas pelos poucos fãs que sabem de sua existência. Mas eu afirmo que é um trabalho que merece ser conhecido. É um filme único, com uma belíssima fotografia azulada que envolve o espectador numa atmosfera gélida que atravessa toda a projeção, como um insidioso pesadelo no qual o protagonista se perde e (talvez) se encontre. Os mistérios do mar, da vida e da própria identidade. Algumas imagens são de tirar o fôlego, como o fantástico plano aéreo das silhuetas (in)humanas surgindo do oceano ou a descoberta da pedra negra na velha igreja abandonada (extraída diretamente de O Assombro nas Trevas). Momentos que podem ser considerados, por sua simplicidade de execução, tanto geniais quanto toscos, dependendo da inclinação de quem vê. A proposital falta de resolução no enredo mantém as imagens vivas na imaginação muito tempo depois que o filme termina, inspirando devaneios e convidando a revisões, mas, acima de tudo, o que fica conosco é a sua estranha beleza, uma beleza que angustia e aperta o coração, mesmo (ou talvez justamente) por jamais conseguirmos compreender totalmente o que significa.
É isso, arrisquem, de coração aberto.


3) Jamais revela os monstros (sim, Cthulhu NÃO aparece, não crie expectativas erradas) e nem se utiliza de nenhum tipo de efeito especial, deixando (quase) tudo a cargo da imaginação, o que é extremamente incomum quando se trata de adaptações de Lovecraft;
4) O final é absurdamente aberto, tipo MUITO mesmo, a ponto de chocar e te arrancar um "What?" quando os créditos finais, do nada, começam a subir na tela. É algo simultaneamente frustrante e marcante, muito mais marcante do que qualquer resolução convencional, mas nem é preciso explicar o quanto esse final já foi xingado pelos comentários internet afora, não é?
Dito isso, fica claro que Cthulhu não é um filme fácil e não é de se estranhar que tenha se tornado uma das adaptações de Lovecraft mais odiadas pelos poucos fãs que sabem de sua existência. Mas eu afirmo que é um trabalho que merece ser conhecido. É um filme único, com uma belíssima fotografia azulada que envolve o espectador numa atmosfera gélida que atravessa toda a projeção, como um insidioso pesadelo no qual o protagonista se perde e (talvez) se encontre. Os mistérios do mar, da vida e da própria identidade. Algumas imagens são de tirar o fôlego, como o fantástico plano aéreo das silhuetas (in)humanas surgindo do oceano ou a descoberta da pedra negra na velha igreja abandonada (extraída diretamente de O Assombro nas Trevas). Momentos que podem ser considerados, por sua simplicidade de execução, tanto geniais quanto toscos, dependendo da inclinação de quem vê. A proposital falta de resolução no enredo mantém as imagens vivas na imaginação muito tempo depois que o filme termina, inspirando devaneios e convidando a revisões, mas, acima de tudo, o que fica conosco é a sua estranha beleza, uma beleza que angustia e aperta o coração, mesmo (ou talvez justamente) por jamais conseguirmos compreender totalmente o que significa.
É isso, arrisquem, de coração aberto.


Muito obrigado.
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