Ingrid Pitt costumava se queixar que tudo que lhe deram pra performar os banhos de sangue de Condessa Drácula, de 1970, foi uma esponjona quase seca. "Eu queria virgens penduradas no teto com a garganta cortada jorrando sobre mim, isso é o que a verdadeira Elizabeth Bathory teria feito, no mínimo!" Sempre fico imaginando qual teria sido a reação dela se tivesse tido chance de ver a italiana Lucia Bosé toda diva, nua e coberta de sangue em Ceremonia Sangrienta, de 1973, meros três anos depois. Ambos são releituras bastante livres da lenda da "Blood Countess" (Bosé sequer interpreta a Erzsebet Bathory original e sim uma descendente homônima 🤔), mas o filme de Jorge Grau (também conhecido pelos títulos alternativos Blood Ceremony e The Legend of Blood Castle) vai muito mais fundo na visceralidade intrínseca à história do que a ótima, mas de fato um tanto contida, recriação da Hammer Films (o que não deixa de ser um curioso flagrante do contraste entre a fleuma britânica e a efervescência do sangue latino no contexto do cinema exploitation europeu dos anos 70). Mas para além da exuberante sexualidade mórbida, talvez o maior acerto desse não tão conhecido gótico espanhol esteja na sua contundente representação do obscurantismo, na naturalidade com que os cadáveres são colocados no banco dos réus (com direito a caixão e tudo) para "responder" pela acusação de vampirismo, enquanto advogados e promotores debatem acaloradamente os procedimentos legais e jurídicos para melhor dispor dos bens e propriedades do acusado em caso de condenação. Tudo perfeitamente lavrado e previsto em lei. Poderia ser pitoresco, quase cômico até, mas em tempos de fascismo no governo, terraplanismo e antivacinas fica um pouco difícil encarar tais cenas com um distanciamento histórico tranquilizador. E Grau deixa bem claro: não há vampiros, nem tratamentos mágicos para vencer a morte, apenas egoísmo, ignorância e decadência, ainda que o desfecho da Condessa Bathory surpreenda pelo fugaz aceno a uma real nobreza e dignidade humanas que, no entanto, não nos salvarão. Pois é, Pitt tinha razão de não estar satisfeita. Imagina se ainda visse Paloma Picasso em Contes Immoraux? 😅
domingo, 21 de fevereiro de 2021
Divando Coberta de Sangue...
Ingrid Pitt costumava se queixar que tudo que lhe deram pra performar os banhos de sangue de Condessa Drácula, de 1970, foi uma esponjona quase seca. "Eu queria virgens penduradas no teto com a garganta cortada jorrando sobre mim, isso é o que a verdadeira Elizabeth Bathory teria feito, no mínimo!" Sempre fico imaginando qual teria sido a reação dela se tivesse tido chance de ver a italiana Lucia Bosé toda diva, nua e coberta de sangue em Ceremonia Sangrienta, de 1973, meros três anos depois. Ambos são releituras bastante livres da lenda da "Blood Countess" (Bosé sequer interpreta a Erzsebet Bathory original e sim uma descendente homônima 🤔), mas o filme de Jorge Grau (também conhecido pelos títulos alternativos Blood Ceremony e The Legend of Blood Castle) vai muito mais fundo na visceralidade intrínseca à história do que a ótima, mas de fato um tanto contida, recriação da Hammer Films (o que não deixa de ser um curioso flagrante do contraste entre a fleuma britânica e a efervescência do sangue latino no contexto do cinema exploitation europeu dos anos 70). Mas para além da exuberante sexualidade mórbida, talvez o maior acerto desse não tão conhecido gótico espanhol esteja na sua contundente representação do obscurantismo, na naturalidade com que os cadáveres são colocados no banco dos réus (com direito a caixão e tudo) para "responder" pela acusação de vampirismo, enquanto advogados e promotores debatem acaloradamente os procedimentos legais e jurídicos para melhor dispor dos bens e propriedades do acusado em caso de condenação. Tudo perfeitamente lavrado e previsto em lei. Poderia ser pitoresco, quase cômico até, mas em tempos de fascismo no governo, terraplanismo e antivacinas fica um pouco difícil encarar tais cenas com um distanciamento histórico tranquilizador. E Grau deixa bem claro: não há vampiros, nem tratamentos mágicos para vencer a morte, apenas egoísmo, ignorância e decadência, ainda que o desfecho da Condessa Bathory surpreenda pelo fugaz aceno a uma real nobreza e dignidade humanas que, no entanto, não nos salvarão. Pois é, Pitt tinha razão de não estar satisfeita. Imagina se ainda visse Paloma Picasso em Contes Immoraux? 😅
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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021
Acolhedor como uma Fogueira de Acampamento...
The Fog (1980) não é o melhor filme de John Carpenter. Entre o fim dos anos 70 e o fim dos anos 80 tem vários títulos que poderiam disputar essa posição com melhor desenvoltura. Mas há alguma coisa no velho A Bruma Assassina que parece torna-lo particularmente marcante, algo que vai além de seus defeitos e qualidades (e títulos nacionais infelizes). Talvez por ser o único filme do tio Carpenter que pode tranquilamente ser classificado como gótico, uma boa e velha história de fantasmas, narrada da forma mais direta e tradicional possível, sem o menor receio de parecer démodé em meio à nascente onda de slasher movies que o próprio diretor ajudou a dar início dois anos antes com Halloween. Bom, receio até houve, várias das cenas mais brutais e sangrentas foram adicionadas a posteriori, quando o primeiro corte foi considerado um tanto sutil demais para as audiências da época, mas nada que fosse realmente escandalizar um leitor habitual de Edgar Allan Poe ou Arthur Machen, só pra ficar nas influências nominalmente citadas no roteiro. Suponho que a ambientação costeira também possa ter seu papel... fantasmas e assombrações parecem ter outro peso no mar, não? Como se já trouxessem consigo uma ideia de "imensidão" e "profundezas", um tipo de "aura" que pode ser facilmente sentida em clássicos da ficção gótica como Na Cabine do Navio de F. Marion Crawford ou Manuscrito Encontrado numa Garrafa de Poe. Mas suspeito que o segredo da ressonância desse pequeno cult esteja no fato de que boa parte de sua atmosfera seja construída em torno do ato de contar histórias. Desde a icônica abertura, com John Houseman narrando a lenda do Elizabeth Dane para um assombrado grupo de crianças ao pé da fogo, o filme escancara sua aliança com uma tradição acima de tudo oral. Nada de flashbacks ou recriações, só os personagens contando histórias uns aos outros nos mais diversos momentos, histórias que encapsulam e dão significado aos sustos e choques que virão. O resultado é um filme de ritmo lento, pesado e melancólico, mas profundamente acolhedor, como uma fogueira de acampamento, com a voz grave e suave de Adrienne Barbeau nos sussurrando através da bruma. Como não querer ficar não é? ❤
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quinta-feira, 21 de janeiro de 2021
Mordido por Lon Channey Jr...
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quinta-feira, 14 de janeiro de 2021
A Tumba de Hannah...
Uma das diversões de se garimpar o horror europeu dos anos 60 e 70 é que, em meio ao despojamento e irreverência (ou, se preferir, a cara de pau) típicos do mercado dos exploitation films, as vezes a gente topa com umas surpresas que dificilmente rolariam num cinemão mainstream. Tipo se dar conta que, ainda que não conste nos créditos, nem no IMDb, o gótico espanhol de 1973, La Tumba de la Isla Maldita, é claramente uma adaptação de um dos grandes clássicos da literatura vampírica, A Tumba de Sarah (1910) de F.G. Loring. E bastante fiel ainda por cima, ao menos nos aspectos essenciais: a tumba violada, a vampira secular que volta à vida e vaga pela noite na forma de lobo, a tradicional formação de um pequeno grupo de destemidos matadores de vampiros dispostos a enfrentar a ameaça. O filme realoca a ambientação da igreja em reforma na Inglaterra para uma ilha de pescadores no Mediterrâneo e adiciona alguns tons de cinza na caracterização do trio central de personagens formado pelo cético arqueólogo de Andrew Prine, a crédula professora vivida por Patty Shepard e seu desvairado (e incestuoso) irmão, Mark Damon, secretamente um adorador fanático da revivida Hannah, Queen of the Vampires (um dos vários títulos alternativos, como Crypt of the Living Dead, Young Hannah, Queen of the Vampires ou Vampire Woman). As mudanças, em geral, são positivas. O conto, publicado no Brasil na célebre coletânea Contos Clássicos de Vampiro da Editora Hedra, é de fato um dos mais diretos e ortodoxos do gênero, com aquele tipo de protagonista hiper-religioso e maniqueísta que acaba tornando a leitura um tanto indigesta nos dias de hoje, ainda mais no contexto político atual. Evidente que "problematizar" não era o foco de Julio Salvador, mas sem dúvida sua abordagem dá uma arejada na história, contrapondo a ameaçadora atmosfera de isolamento de uma ilha assombrada por uma terrível mulher-lobo sedenta de sangue com inesperados momentos de empatia para com a etérea e silenciosa Hannah de Teresa Gimpera. Em especial no desfecho, que nos lembra de forma particularmente contundente (e angustiante) quão frágeis as criaturas sobrenaturais que tanto tememos realmente são... e quão tênue é o limiar que nos separa delas.
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