A cena final de Carrie, a Estranha (1976) costuma ser mais lembrada em termos de artifício, como um dos maiores jumpscare da história do cinema de horror, talvez a primeira vez que um filme literalmente jogou a plateia pra fora da sessão com um último grande susto quando tudo já parecia ter acabado.
Hoje que falamos tanto em bullyng e "privilégio", Carrie segue como uma das mais viscerais representações do que "desprivilégio" realmente significa. O que é nascer e crescer em total desamparo, sem nunca ter tido chance, esmagada pelo fanatismo religioso e "decretada" como bode-expiatório, o parâmetro pelo qual todos reafirmam a própria normalidade num "rito" de expiação coletiva praticamente impossível de romper.
No fundo, Sue, Tommy, Miss Collins, sabem que estão oferecendo a Carrie esperanças ilusórias: um namorado emprestado, um convite pro baile, castigos que só aumentam a animosidade da turma. É tarde demais. O dano está feito. Só resta apaziguar a consciência cedendo-lhe esses pedacinhos de privilégios. Quando Carrie (que não é boba e sabe que não há como aquilo se sustentar) pergunta por que fazem isso, as respostas soam como frases de auto-ajuda. Mas ela quer acreditar. Todos queremos, não?
E assim o filme nos conduz a uma tragédia anunciada que, quando chega, nos toma quase como alívio. A cena final, o sonho de Sue, nada mais é senão nós, pessoas boas e goodvibes, retomando nossos privilégios emprestados, voltando ao centro do palco render graças ao cordeiro sacrificado, purificados de toda culpa e pena, cheios de gratidão.
E é aí que Carrie nos pega e nos arrasta, esperneando e gritando, para o abismo junto com ela.
E o toque de gênio (pouco mencionado) é que, mesmo acordada, Sue ainda pode senti-la puxar...
adorei sua análise. ajudou a preencher, inclusive, algumas lacunas abertas das minhas próprias interpretações quanto a essa cena kskakka :)
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