quinta-feira, 13 de abril de 2023

(Re)Assistindo: Anthony Perkins em Psicose

Psycho (1960)
com Janet Leigh, Anthony Perkins, Vera Miles, John Gavin, Virginia Gregg

Pra revisitar um clássico não é preciso motivo. Basta meia hora rodando pelas novidades de um serviço de streaming e você logo constata que, via de regra, é a única coisa sensata que dá pra fazer. Mas o que me fez voltar ao velho Psicose foi ter assistido ao fabuloso documentário Queer for Fear - The History of Queer Horror, da Shudder. Não que a série apresente alguma grande novidade, ao menos no que se refere a forma como o papel de Norman Bates abalou os alicerces da carreira de Anthony Perkins e basicamente o catapultou pra fora do armário numa época (e de uma maneira) que não poderia ter sido mais inapropriada. Mas a reapresentação dessa já antiga história sob uma ótica queer (que, pra quem manja, vai muito além da velha abordagem LGBTQIA+) e apoiada em grande parte pelos depoimentos do filho do ator, o hoje diretor Oz Perkins, nos pega de jeito, e convida a uma revisão não só do clássico de Alfred Hitchcock, mas também (e particularmente) de suas polêmicas continuações. "Era perfeito pro meu pai. Perfeito demais e, portanto, nada bom." Para além de outro vilão afeminado numa longa lista de vilões afeminados para os quais Hitchcock fazia questão de escalar atores que SABIA serem gays enrustidos, Bates atingiu um tipo de ressonância mítica que varreu os anos 60 e basicamente carregou o ator consigo. No fim, nem fazia diferença se no contexto da trama ele "não era um travesti", como o psicólogo faz questão de frisar nos minutos finais, mas um doente mental que compartimentalizou a própria mente pra sublimar o matricídio. Na prática, o que vemos é um ator gay desnudando seus conflitos e fraturas mais íntimos para melhor expressar a queerness de um personagem que abarca em si uma quantidade absurda de tropos pra lá de complicados. Como avaliar o impacto cultural de algo assim? Felizmente, a série é sábia o bastante pra topar o desafio sem se esquivar da ambivalência de tais questões, equilibrando-se graciosamente entre o fascínio pela obra-prima e a problematização que se faz necessária, sem nunca ceder à insensatez tão atual da mera negação.


Psycho II (1983)
com Anthony Perkins, Meg Tilly, Robert Loggia, Virginia Gregg

Independente de todas as questões queer que atravessam o Psicose original, nada tira o mérito de Norman Bates como talvez o único serial killer da história do slasher a ser consistentemente retratado como um ser humano. Uma pessoa doente que, de início, sequer tem consciência dos crimes que cometeu e não pode ser legalmente considerado imputável por suas ações. Não é pouco no contexto de um gênero que reiteradamente demoniza patologias mentais e, no limite, troca os vampiros e lobisomens do horror clássico por verdadeiros "psico-monstros" que, ainda por cima, são vendidos como "realistas". Acho que isso, mais do que qualquer coisa, foi o que acabou atraindo Anthony Perkins de volta em Psicose II. "Essa é uma história sobre Norman", ele teria dito sobre o roteiro, o que não é necessariamente verdade no clássico de Hitchcock. Mais do que isso, é uma história sobre uma redenção impossível. Norman sabe que não há perdão para o que fez, mas precisa, de alguma forma, continuar vivendo, tentando dolorosamente "ser bom" e temendo, acima de tudo, ficar doente outra vez. Chega a ser espantoso o quanto isso parece ressoar ainda mais hoje em dia, na era do linchamento virtual, em que todos se sentem tão a vontade para emitir julgamentos sumários e inapeláveis sobre qualquer tipo de questão, e é digna de nota a coragem de Richard Franklin (e do roteirista, Tom Holland) de reapresentar uma personagem tão querida como a de Vera Miles totalmente transfigurada por um rancor que, decerto, é justificável, mas seria aceitável? Em que ponto os papéis de vítima e agressor podem vir a se confundir até se tornar intercambiáveis? Um tema espinhoso e claro que a proposta não era fazer um tratado sobre o assunto, mas o filme é hábil o bastante para equilibra-lo com os pré-requisitos mais prementes de um slasher movie dos anos 80, sem nunca perder de vista o senso de ironia de uma trama que ousa brincar com a expectativa dos personagens (e da audiência) de ver Bates matar de novo. Afinal, de que vale um monstro arrependido (e já devidamente punido) diante da necessidade de autoafirmação (e entretenimento) dos justos?


Psycho III (1986)
com Anthony Perkins, Diana Scarwid, Jeff Fahey, Roberta Maxwell, Virginia Gregg

"Psicose 3 é meio que... safado! E é isso! Se Norman Bates pudesse fazer um filme sobre ele mesmo como um cara mais velho, provavelmente seria um filme safado pra caramba! E que bom pra ele!" Essa fala de Oz Perkins, mais do que qualquer coisa, foi o que me fez querer voltar aos filmes da série Psycho dessa vez. Diferente do Psicose 2, que eu amo desde a primeira vez que vi (antes mesmo do original, até) e considero, sem sombra de dúvida, como uma das melhores continuações da história do cinema, Psicose 3 sempre me foi meio indigesto, como o é pra quase todo mundo, aliás. Mas era um daqueles filmes que, como costuma acontecer, ficam por ali, na sua cabeça, quase que te assombrando, independente de você gostar ou não, como um mosaico inusitado de imagens bizarras e insistentes. E foi aí que ninguém menos que o filho de Perkins, em Queer for Fear, me deu a "chave de interpretação" que eu precisava pra entender o fascínio relutante que o filme exerce. Sim, Psicose III é safado. Eu diria até mais: é profano! É Anthony Perkins assumindo a direção da obra que virou seu mundo de ponta-cabeça e profanando-a de todas as formas possíveis. Não pra destruí-la, mas pra dessacraliza-la mesmo. E, desse ponto de vista, o que parecia um típico slasher movie dos anos 80, estranhamente comandado pela estrela de um clássico sessentista, se torna um intrigante acerto de contas com o passado que se realiza cênica e artisticamente. O resultado, ora vejam, não é (só) mais um slasher. É um giallo! Um dos mais estilosos e intrigantes american gialli que já tive chance de (re)assistir! E que, em termos de direção e encenação, chega a ser superior ao Psicose II. Quem imaginaria que Perkins teria um entendimento tão irreverente e sagaz da influência de Psicose não só para o horror americano mas para o horror oitentista em escala global? Não que seja exatamente fácil de gostar, não é um filme feito pra agradar. É um exorcismo. Um "remake" sacana do clássico de Hitchcock que o próprio Perkins acabou renegando depois, chamando o medíocre Psicose IV de "o melhor desde o original". Mas quer saber? Acho que ele estava sendo cínico.😉



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