Estranho pensar que houve um tempo em que H. P. Lovecraft era tão desconhecido e irrelevante que sua primeira adaptação cinematográfica saiu com o nome de Edgar Allan Poe estampado no cartaz.🤔 Não que deixe de soar apropriado, de uma forma estranhamente irônica, já que o próprio HP nunca fez lá muita questão de esconder que copiava Poe na cara dura em seus primeiros trabalhos, mas é bizarro de se constatar em meio a onipresença da obra lovecraftiana na cultura pop atual. E é justamente esse estranhamento, tanto nosso quanto dos produtores na época tentando "aprender a lidar" com o tio HP, que torna esse breve ciclo de adaptações sessentistas tão interessante. A American International Pictures pode não ter bancado vender a ideia do Roger Corman de dar um tempo com o ciclo Poe, mas ao menos se ligou da existência desse tal de Lovecraft como possível fonte de novos roteiros, só que isso num contexto em que um dos principais paradigmas do horror de baixo orçamento ainda era o gótico. E é aí que a coisa fica curiosa, porque "superar" os pressupostos do gótico sempre foi o metiê do tio Love. Pro bem ou pro mal, Lovecraft é o nome mais representativo de todo um novo conjunto de subgêneros que foi sendo gestado nas revistas pulp do começo do século XX, do cosmic horror ao weird horror, e é fascinante ver tudo isso sendo forçado à fórceps de volta ao formato gótico mais tradicional que tão bem vendia no período, tanto para o horror americano, com a AIP, quanto para o horror britânico, com a Hammer Films e a Amicus Productions. Quer dizer, fascinante pra mim, claro, que amo o horror dos anos 60 e o horror lovecraftiano em partes (quase) iguais, mas super entendo que esses filmes tendam a ser vistos com desconfiança pelos fãs mais devotos do velho HP (e "devoto" aqui chega a ser quase literal em alguns casos😶). Ainda assim, duvido que haja quem julgue a versão (hiper) livre de Corman de The Case of Charles Dexter Ward como algo menos que deslumbrante, com Vincent Price literalmente assombrando o cenário com sua interpretação "obsessora" do warlock Joseph Curwen, um começo no mínimo intrigante para esse curioso ciclo "gótico lovecraftiano" dos anos 60.🤗
The Haunted Palace (1963)
de Roger Corman
com Vincent Price, Debra Paget, Lon Chaney Jr., Elisha Cook Jr.De fato, quase nem faz sentido comparar O Castelo Assombrado com os demais filmes do ciclo. Em termos de qualidade cinematográfica, o trabalho de Corman se destaca por si só, para além de quaisquer ressalvas e considerações em relação ao cânone lovecraftiano, e nada do que veio depois, por mais interessante que seja (e é), chega realmente perto disso. No contexto do Ciclo Poe, é bem possível que seja o filme mais sinistro, com momentos de um genuíno horror visceral contrastando com o tom mais etéreo e metafísico estabelecido em obras como O Solar Maldito e A Mansão do Terror, e isso se dá, claro, justamente por conta dos elementos de horror lovecraftiano adicionados à mistura. Na real, chega a surpreender o tanto de Lovecraft preservado numa adaptação que sequer assumia seu nome nos materiais promocionais, com citações diretas a Cthulhu, Yog-Sothoth e nada menos que a primeira aparição do Necronomicon nas telas de cinema (e nas mãos de ninguém menos que Vincent Price, ora essa!) Não dá pra dizer que não foi uma estreia digna, por mais que você tenha dificuldade de engolir a simplificação de O Caso de Charles Dexter Ward para um cenário mais tradicional de possessão / reencarnação (lindamente defendido por Price, aliás), mas também não tem como negar que a estruturação geral do roteiro passa (bem) longe do nível de esquisitice habitual dos escritos do tio. Antes de qualquer coisa, este é um horror gótico com elementos de weird horror, e não o contrário, como a novela original, que ainda assim pode ser considerada como a mais gótica dentre as obras do período tardio de H. P. Lovecraft, a ponto dele se referir a ela como "antiquarianismo incômodo" e nunca sequer tentar prepara-la para publicação. O que ele diria se soubesse que essa seria sua estreia numa mídia completamente nova? E que, 28 anos depois, ainda se tornaria a base para a primeira adaptação verdadeiramente fiel de sua obra, o incomparável Renascido das Trevas, de 1991? "Unspeakable", talvez?😅
Dissimulada ou não, a ideia de Corman de adaptar H. P. Lovecraft ao estilo do Ciclo Poe deve ter soado no mínimo promissora para a AIP. Não levou nem um ano após o encerramento das adaptações do bardo de Baltimore (com O Túmulo Sinistro, de 1964) e o estúdio já lançou outro "gótico lovecraftiano", ainda mais alinhado aos paradigmas do horror gótico dos anos 60. Dirigido por Daniel Haller, o diretor de arte habitual dos filmes de Poe (incluindo The Haunted Palace), Morte para um Monstro é praticamente uma continuidade direta do ciclo anterior. Por mais que, dessa vez, o nome do tio apareça bonitinho nos créditos e materiais promocionais, duvido que uma plateia mais desavisada notasse qualquer diferença. A estrutura é a mesma de O Solar Maldito: o herói abnegado vem em busca da namorada desaparecida na mansão gótica ancestral da família e bate de frente com o sinistro patriarca, guardião de segredos inconfessáveis, vivido por um Boris Karloff já na cadeira de rodas devido aos problemas crônicos na coluna. Ok, e onde entra The Colour Out of Space em tudo isso? Bom, no fator "esquisitice". O que temos é um gótico britânico puro e até bem genérico, porém salpicado de pitadas de horror lovecraftiano, como o meteoro fosforescente que causa mutações em animais, vegetais e humanos, e as referências diretas à radioatividade que o conto original até evoca, mas nunca explicita. De certo modo, lembra mais The Shunned House, com seu casarão assombrado não por fantasmas, mas algum tipo de força insidiosa que emana do porão e não pode ser evitada ou compreendida. Afinal as únicas cores aqui são só as primárias mesmo: vermelho, amarelo, azul, bem de acordo com o psicodelismo delirante do horror nos anos 60. Que eu amo, tá? Só pra ficar claro. Mas entendo que leitores mais aguerridos saiam da sessão um tanto putos. A Cor que Caiu do Céu é a obra-prima de Lovecraft (até segundo ele mesmo), o ápice de sua lapidação do horror cósmico como uma superação tanto dos clichês do gótico quanto da ficção científica de horror mais habitual nas publicações pulp e merecia uma releitura no mínimo mais perspicaz (que, no fim, só viria em 2010, com Die Farbe).
Talvez Os Herdeiros do Medo nem devesse ser citado entre os "góticos lovecraftianos" dos anos 60. Primeiro porque o conto é na real do August Derleth, um de vários que o polêmico editor da Arkhan House baseou (muito vagamente) em fragmentos e anotações que H. P. Lovecraft deixou após sua morte em 1937. E segundo por não ser exatamente um terror gótico, mas um suspense com uma pegada de folk horror bem mais realista e pé no chão. Acontece que o nome do tio Love tá lá escrito bonitinho nos créditos e, no contexto desse ciclo, isso por si só já meio que vale ao menos uma nota de rodapé. No mínimo evidencia uma maior penetração de Lovecraft nos radares do cinema de horror britânico sessentista, para além da AIP e dos parâmetros estabelecidos pelo ciclo Poe. Mas tirando alguns paralelos meio vagos com The Outsider é difícil reconhecer algo de verdadeiramente lovecraftiano aqui. Ok, temos a vila isolada e incestuosa, organizada em torno de algum tipo de culto pagão, onde nossa heroína Carol Lynley retorna com o marido pra desvendar o mistério de suas origens, mas o que eles encontram não é algo tão pitoresco quanto monstruosidades batráquias, mas sim o comportamento bairrista e quase tribal dos broncos rapazes da aldeia, algo que qualquer jovem interiorano que já foi numa festinha na cidade vizinha e teve que sair fugido depois de beijar uma menina local certamente pode se identificar. De certo modo, lembra um pouco Sob o Domínio do Medo, que seria lançado quatro anos depois (guardadas as devidas proporções, é claro) e seu grande trunfo, mais do que qualquer coisa, é o desempenho febril de Oliver Reed. Taí um cara que nasceu pra interpretar o bullie. Independente do rumo que a trama vai tomando, é a presença intimidadora de Reed que realmente prende a nossa atenção. É quase hipnótico, como uma cobra, carismático e ameaçador. Difícil não lembrar de Bette Davis se referindo a ele como "o homem mais odioso que já conheci". Tá certo que a tia também não era fácil, mas pode ter certeza que eu ia preferir mil vezes topar com Shub-Niggurath do que com o Sr. Reed em qualquer noite escura.😳
Tem como não amar The Crimson Cult? Deve ter, mas não vejo vantagem.😅 É até difícil imaginar o que passava pela cabeça de Vernon Sewell e os demais executivos da Tigon Films, a terceira "grande" produtora de horror britânico nos anos 60, depois da Hammer Films e da Amicus Productions. A ideia era zoar? Não me parece, ainda que um filme no qual o protagonista diz que "espera ver Boris Karloff aparecendo numa mansão dessas" pouco antes do próprio entrar em cena definitivamente não está se levando muito a sério. Por outro lado, há um cuidado com as simbologias do paganismo que não é tão comum de se ver, mesmo que apresentadas de forma irreverente (ou deveria dizer "debochada") nas psicodélicas sequencias de sonho. Uma coisa é fato: não dá pra dizer que não seja um filme tão demente quando o The Dreams in the Witch House de H. P. Lovecraft, só é demente de outra forma. Todo o horror cósmico que o autor injetou num cenário tradicional de bruxaria, mesclando elementos típicos do folclore britânico, como a casa das bruxas, o demônio familiar e o "homem escuro", com conceitos de weird horror, grandes antigos e geometria não-euclidiana, tudo isso é basicamente jogado pela janela e revertido ao formato mais padrão do folk horror sessentista, porém a pegada mais exploitation da Tigon permite um contágio com toda aquela sinergia lisérgica da época de uma forma que a Hammer e a Amicus (e o tio Lovecraft) jamais dariam conta. O resultado pouco tem a ver com horror lovecraftiano, pode ter certeza, mas é uma doideira tão deliciosa, extravagante e safada que não tem como resistir. Christopher Lee odiou, é claro, e super me solidarizo com o tio Karloff, que sofreu com as filmagens noturnas debaixo de chuva numa cadeira de rodas. Mas, gente, é a Barbara Steele pintada de verde!😍 Com figurino de escola de samba e regendo um sabá das bruxas sadomasoquista em outra dimensão!🤯 Que se dane o "gótico lovecraftiano", me dá aqui esse livro que eu assino é já! Com sangue e com tudo! E ainda pego o finalzinho daquela festinha "groove" da Virginia Wetherell! Fala a verdade, tem como não amar?🤗
Antes de mais nada, é preciso lidar com o bode na sala (ou, no caso, a ausência dele): Sim, Wilbur Whateley, aqui, não é uma aberração híbrida com dois metros de altura e feições caprinas, mas um charmoso e dissimulado Dean Stockwell fazendo sua estreia no cinema, sinistro, mas perfeitamente humano. Uma vez aceito esse fato (e admito que não é fácil, pode ser preciso assistir uma segunda vez) a plateia talvez se espante ao constatar que, dadas as devidas proporções, essa é uma adaptação surpreendentemente fiel da obra de H. P. Lovecraft. No mínimo a mais fiel de todo esse ciclo de "góticos lovecraftianos" e, na real, continuaria a sê-lo ainda por um bom tempo, pelo menos até 1992, com o lançamento de Renascido das Trevas. Não é por acaso que, dessa vez, a AIP não só destacou o nome de Lovecraft nos créditos como, enfim, preservou o título da novela original, por mais que o genérico título brasileiro, O Altar do Diabo, também não deixe de soar apropriado, já que o tom e o estilo visual da narrativa seguem bem de perto o ascendente satanic horror dos anos 70. O híbrido resultante talvez seja um tanto desajeitado (como o Sr. Whateley deveria ter sido) mas é fascinante ver o horror cósmico sendo traduzido em termos de arte psicodélica. Explosões caleidoscópicas de cores primárias evocando os abismos siderais que os grandes antigos habitam, Liquid light fluindo através dos limiares entre as transdimensões, O Horror de Dunwich em si manifesto num surreal delírio em technicolor de posterização fractal. Datado? Talvez, pra quem se deixa datar na época em que vive.😜 Mas quem se permitir derivar pode acabar se encantando com o warlock de fala mansa e modos suaves de Stockwell, invocando Yog-Sothoth sobre as colinas megalíticas com uma convicção invejável e uma performance extravagante claramente inspirada em Aleister Crowley (com direito ao Necronomicon devidamente apoiado entre as coxas de Sandra Dee! Ah, o horror setentista!😅). Depois dessa, o tio Love só voltaria aos cinemas em 1985, com Re-Animator, e o horror lovecraftiano, pro bem ou pro mal, se tornaria, acima de tudo, uma cria dos anos 80.
com Boris Karloff, Nick Adams, Freda Jackson, Suzan Farmer, Patrick Magee
Dissimulada ou não, a ideia de Corman de adaptar H. P. Lovecraft ao estilo do Ciclo Poe deve ter soado no mínimo promissora para a AIP. Não levou nem um ano após o encerramento das adaptações do bardo de Baltimore (com O Túmulo Sinistro, de 1964) e o estúdio já lançou outro "gótico lovecraftiano", ainda mais alinhado aos paradigmas do horror gótico dos anos 60. Dirigido por Daniel Haller, o diretor de arte habitual dos filmes de Poe (incluindo The Haunted Palace), Morte para um Monstro é praticamente uma continuidade direta do ciclo anterior. Por mais que, dessa vez, o nome do tio apareça bonitinho nos créditos e materiais promocionais, duvido que uma plateia mais desavisada notasse qualquer diferença. A estrutura é a mesma de O Solar Maldito: o herói abnegado vem em busca da namorada desaparecida na mansão gótica ancestral da família e bate de frente com o sinistro patriarca, guardião de segredos inconfessáveis, vivido por um Boris Karloff já na cadeira de rodas devido aos problemas crônicos na coluna. Ok, e onde entra The Colour Out of Space em tudo isso? Bom, no fator "esquisitice". O que temos é um gótico britânico puro e até bem genérico, porém salpicado de pitadas de horror lovecraftiano, como o meteoro fosforescente que causa mutações em animais, vegetais e humanos, e as referências diretas à radioatividade que o conto original até evoca, mas nunca explicita. De certo modo, lembra mais The Shunned House, com seu casarão assombrado não por fantasmas, mas algum tipo de força insidiosa que emana do porão e não pode ser evitada ou compreendida. Afinal as únicas cores aqui são só as primárias mesmo: vermelho, amarelo, azul, bem de acordo com o psicodelismo delirante do horror nos anos 60. Que eu amo, tá? Só pra ficar claro. Mas entendo que leitores mais aguerridos saiam da sessão um tanto putos. A Cor que Caiu do Céu é a obra-prima de Lovecraft (até segundo ele mesmo), o ápice de sua lapidação do horror cósmico como uma superação tanto dos clichês do gótico quanto da ficção científica de horror mais habitual nas publicações pulp e merecia uma releitura no mínimo mais perspicaz (que, no fim, só viria em 2010, com Die Farbe).
de David Greene
com Carol Lynley, Gig Young, Flora Robson, Judith Arthy
Talvez Os Herdeiros do Medo nem devesse ser citado entre os "góticos lovecraftianos" dos anos 60. Primeiro porque o conto é na real do August Derleth, um de vários que o polêmico editor da Arkhan House baseou (muito vagamente) em fragmentos e anotações que H. P. Lovecraft deixou após sua morte em 1937. E segundo por não ser exatamente um terror gótico, mas um suspense com uma pegada de folk horror bem mais realista e pé no chão. Acontece que o nome do tio Love tá lá escrito bonitinho nos créditos e, no contexto desse ciclo, isso por si só já meio que vale ao menos uma nota de rodapé. No mínimo evidencia uma maior penetração de Lovecraft nos radares do cinema de horror britânico sessentista, para além da AIP e dos parâmetros estabelecidos pelo ciclo Poe. Mas tirando alguns paralelos meio vagos com The Outsider é difícil reconhecer algo de verdadeiramente lovecraftiano aqui. Ok, temos a vila isolada e incestuosa, organizada em torno de algum tipo de culto pagão, onde nossa heroína Carol Lynley retorna com o marido pra desvendar o mistério de suas origens, mas o que eles encontram não é algo tão pitoresco quanto monstruosidades batráquias, mas sim o comportamento bairrista e quase tribal dos broncos rapazes da aldeia, algo que qualquer jovem interiorano que já foi numa festinha na cidade vizinha e teve que sair fugido depois de beijar uma menina local certamente pode se identificar. De certo modo, lembra um pouco Sob o Domínio do Medo, que seria lançado quatro anos depois (guardadas as devidas proporções, é claro) e seu grande trunfo, mais do que qualquer coisa, é o desempenho febril de Oliver Reed. Taí um cara que nasceu pra interpretar o bullie. Independente do rumo que a trama vai tomando, é a presença intimidadora de Reed que realmente prende a nossa atenção. É quase hipnótico, como uma cobra, carismático e ameaçador. Difícil não lembrar de Bette Davis se referindo a ele como "o homem mais odioso que já conheci". Tá certo que a tia também não era fácil, mas pode ter certeza que eu ia preferir mil vezes topar com Shub-Niggurath do que com o Sr. Reed em qualquer noite escura.😳
com Barbara Steele, Christopher Lee, Boris Karloff, Mark Eden, Michael Gough
Tem como não amar The Crimson Cult? Deve ter, mas não vejo vantagem.😅 É até difícil imaginar o que passava pela cabeça de Vernon Sewell e os demais executivos da Tigon Films, a terceira "grande" produtora de horror britânico nos anos 60, depois da Hammer Films e da Amicus Productions. A ideia era zoar? Não me parece, ainda que um filme no qual o protagonista diz que "espera ver Boris Karloff aparecendo numa mansão dessas" pouco antes do próprio entrar em cena definitivamente não está se levando muito a sério. Por outro lado, há um cuidado com as simbologias do paganismo que não é tão comum de se ver, mesmo que apresentadas de forma irreverente (ou deveria dizer "debochada") nas psicodélicas sequencias de sonho. Uma coisa é fato: não dá pra dizer que não seja um filme tão demente quando o The Dreams in the Witch House de H. P. Lovecraft, só é demente de outra forma. Todo o horror cósmico que o autor injetou num cenário tradicional de bruxaria, mesclando elementos típicos do folclore britânico, como a casa das bruxas, o demônio familiar e o "homem escuro", com conceitos de weird horror, grandes antigos e geometria não-euclidiana, tudo isso é basicamente jogado pela janela e revertido ao formato mais padrão do folk horror sessentista, porém a pegada mais exploitation da Tigon permite um contágio com toda aquela sinergia lisérgica da época de uma forma que a Hammer e a Amicus (e o tio Lovecraft) jamais dariam conta. O resultado pouco tem a ver com horror lovecraftiano, pode ter certeza, mas é uma doideira tão deliciosa, extravagante e safada que não tem como resistir. Christopher Lee odiou, é claro, e super me solidarizo com o tio Karloff, que sofreu com as filmagens noturnas debaixo de chuva numa cadeira de rodas. Mas, gente, é a Barbara Steele pintada de verde!😍 Com figurino de escola de samba e regendo um sabá das bruxas sadomasoquista em outra dimensão!🤯 Que se dane o "gótico lovecraftiano", me dá aqui esse livro que eu assino é já! Com sangue e com tudo! E ainda pego o finalzinho daquela festinha "groove" da Virginia Wetherell! Fala a verdade, tem como não amar?🤗
com Sandra Dee, Dean Stockwell, Ed Begley, Sam Jaffe, Donna Baccala, Talia Coppola
Antes de mais nada, é preciso lidar com o bode na sala (ou, no caso, a ausência dele): Sim, Wilbur Whateley, aqui, não é uma aberração híbrida com dois metros de altura e feições caprinas, mas um charmoso e dissimulado Dean Stockwell fazendo sua estreia no cinema, sinistro, mas perfeitamente humano. Uma vez aceito esse fato (e admito que não é fácil, pode ser preciso assistir uma segunda vez) a plateia talvez se espante ao constatar que, dadas as devidas proporções, essa é uma adaptação surpreendentemente fiel da obra de H. P. Lovecraft. No mínimo a mais fiel de todo esse ciclo de "góticos lovecraftianos" e, na real, continuaria a sê-lo ainda por um bom tempo, pelo menos até 1992, com o lançamento de Renascido das Trevas. Não é por acaso que, dessa vez, a AIP não só destacou o nome de Lovecraft nos créditos como, enfim, preservou o título da novela original, por mais que o genérico título brasileiro, O Altar do Diabo, também não deixe de soar apropriado, já que o tom e o estilo visual da narrativa seguem bem de perto o ascendente satanic horror dos anos 70. O híbrido resultante talvez seja um tanto desajeitado (como o Sr. Whateley deveria ter sido) mas é fascinante ver o horror cósmico sendo traduzido em termos de arte psicodélica. Explosões caleidoscópicas de cores primárias evocando os abismos siderais que os grandes antigos habitam, Liquid light fluindo através dos limiares entre as transdimensões, O Horror de Dunwich em si manifesto num surreal delírio em technicolor de posterização fractal. Datado? Talvez, pra quem se deixa datar na época em que vive.😜 Mas quem se permitir derivar pode acabar se encantando com o warlock de fala mansa e modos suaves de Stockwell, invocando Yog-Sothoth sobre as colinas megalíticas com uma convicção invejável e uma performance extravagante claramente inspirada em Aleister Crowley (com direito ao Necronomicon devidamente apoiado entre as coxas de Sandra Dee! Ah, o horror setentista!😅). Depois dessa, o tio Love só voltaria aos cinemas em 1985, com Re-Animator, e o horror lovecraftiano, pro bem ou pro mal, se tornaria, acima de tudo, uma cria dos anos 80.
E agora me deu vontade de rever também!
ResponderExcluirNunca será demais.😄
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