quinta-feira, 4 de abril de 2019

Representando o Irrepresentável...


As vezes o genial não é algo sofisticado, hiper criativo ou particularmente complexo. As vezes o genial é tão óbvio, tão na cara, que ninguém percebe até que, do nada, rola um start.

The Colour Out of Space (1927), o melhor conto de H. P. Lovecraft (na opinião dele mesmo) é um exemplo. Lovecraft era um crítico virulento à forma como a literatura pulp de sua época tendia a retratar personagens e conceitos alienígenas. Seu ponto era que uma representação alienígena realmente crível não poderia guardar nem a mais remota semelhança com formas de vida da Terra, que algo vindo dos confins do espaço sideral, resultado de processos físico/químicos e evolutivos estranhos às condições terrestres teria que, necessariamente, ser inconcebível a qualquer sistema de apreensão e representação humanos.

Ok, faz sentido, mas como lidar com isso em termos artísticos? Como representar o irrepresentável na literatura? A solução de Lovecraft é de uma simplicidade absolutamente genial: sua forma de "vida" alienígena é uma cor. Uma cor que não existe no espectro terrestre. Um comprimento de onda intraduzível para a percepção humana, cujo mero contato destrói os padrões de organização físicos e mentais (talvez até espirituais) das formas de vida da Terra. Já tentaram descrever uma cor para um cego? Pois é, a sacada de Lovecraft rivaliza com os labirintos conceituais de Jorge Luis Borges e, provavelmente, nunca será igualada.

De tão genial, criou outro problema a posteriori: como representar tal coisa em adaptações audiovisuais? Como "mostrar" essa cor num filme? No geral as adaptações só fogem da raia mudando o enredo, até que um jovem diretor vietnamita radicado na Alemanha, Huan Vu, surgiu em 2010 com uma solução tão absurdamente simples e genial quanto a de Lovecraft: uma belíssima fotografia em preto e branco, onde a única cor a aparecer em tela é "A Cor". Simples assim!

Só por isso Die Farbe já mereceria ser mais conhecido pelos fãs de horror, mas sendo também uma das mais fiéis adaptações de Lovecraft já feitas, tanto em enredo quanto atmosfera (justamente o ponto que a maioria das adaptações falha em recriar, ou nem tenta), torna-se obrigatório... tanto quanto o próprio conto.



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