quinta-feira, 2 de março de 2023

(Re)Assistindo: As Aventuras (e Desventuras) do Lobisomem da Universal Films

Werewolf of London (1935)
com Henry Hull, Warner Oland, Valerie Hobson, Lester Matthews

Werewolf by Night (2022) foi meio que a última pá de terra no caixão do Universo Cinematográfico Marvel pra mim. Tipo, se nem mesmo a riquíssima fase de horror setentista da editora foi capaz de fazer o estúdio abandonar sua fórmula padrão de humor quinta série com pitadas de pseudo-ativismo, que esperança mais poderíamos ter, não é? Mas ao menos o negócio me inspirou a revisitar as fontes de todo aquele CGI retrô em P&B, e lá fui eu rever a saga do Wolf Man original dos Monstros da Universal nos anos 40, começando, claro, pelo O Lobisomem de Londres, ainda de 1935. E qual não foi minha "surpresa" ao (re)constatar (incrível como a memória é capaz de apagar os fragmentos destoantes de certas experiências) o quanto o humor "engraçadão" e fora de lugar SEMPRE foi um problema no cinema de massa norte-americano. Antes, porém, que alguém me pergunte se tenho algo contra o humor, já adianto que não tenho (inclusive adoro), SE for um humor como o de James Whale, que é parte indissociável de uma poética e elemento estrutural (e estruturante) de tudo aquilo que torna obras como The Old Dark House e Bride of Frankenstein tão únicas e definitivas. Não, meu problema é o humor como fórmula de apaziguamento, o humor autodepreciativo que mascara a covardia de quem não banca de verdade o material que tem nas mãos, seja o horror dando seus primeiros passos nos anos 30 ou o real senso de perigo e aventura que sempre marcou as HQs de super-heróis, a despeito do potencial ridículo dos colantes coloridos. E dá-lhe "números de comediante" interrompendo a trajetória de Henry Hull pelas ruas de Londres toda vez que a tensão ameaça se estabelecer.🙄 Ouso afirmar que, se não fosse por isso, teríamos um filme indiscutivelmente superior a toda a franquia oficial do Lobisomem da Universal Films: a caracterização é mais sinistra (quanto mais humano, mais assustador, é o que sempre digo), as transformações são mais inventivas, a mitologia mais intrigante, era a faca e o queijo na mão, como se diz. Só faltou bancar. Bancar de verdade! É o que dá ter medo do ridículo.😉


The Wolf Man (1941)
com Lon Chaney Jr., Claude Rains, Bela Lugosi, Maria Ouspenskaya, Evelyn Ankers

Falar de um clássico como O Lobisomem é uma tarefa quase fútil, não? Restaria alguma coisa a dizer? Talvez. Se algo me ocorre? Bom, aí que está. A História de Larry Talbot já foi analisada pelos ângulos mais inusitados: metáfora da perseguição política (em especial nazista, refletindo as vivências do roteirista Curt Siodmak como um judeu/alemão expatriado), da homossexualidade reprimida ("até mesmo um homem puro de coração e que faz suas preces a noite pode se tornar um lobo quando a febre do lobo o assalta"🐺) e até do alcoolismo e uso de drogas (essa eu adoro, nunca mais consegui rever aquelas cenas do Lon Chaney Jr. acordando sujo de lama sem cair na risada: "Meu Deus, onde estive? Que foi que eu fiz?"😂). Mas o aspecto que mais me intriga (ainda que também não tenha nada de inédito) é a forma como esse filme, mais que qualquer outro dos clássicos do horror, recria tão profundamente o folclore no qual se baseia a ponto da mitologia original do lobisomem sequer ser reconhecida como tal pela maior parte do público. Pergunte a qualquer um as "regras" da licantropia, falarão de contágio por arranhões e mordidas, tipo uma doença, a transformação involuntária regulada pelas fases da lua, a prata, o pentagrama e, acima de tudo, a dinâmica de culpa e inocência de um anti-herói incapaz de se autodeterminar, conflito que, no geral, termina sempre em morte (o que não deixa de ser irônico, levando em conta o papel que a imortalidade viria a ter na franquia, mas essa história é pra depois). Parte desses elementos até aparece em lendas e na literatura gótica, mas não sistematizados de forma tão definida (e definitiva). O aspecto do werewolf como uma força primal, o devir animal passível de ser invocado e canalizado por um ato de vontade, boa ou má, é algo que praticamente desapareceu do senso comum (e até do folclore!), resgatado aqui e ali em obras tomadas mais como desvio do que como cânone. Não sei bem o que pensar disso, mas uma coisa é fato: torna a ficção gótica do século XIX ainda mais interessante.😉
com Lon Chaney Jr., Bela Lugosi, Ilona Massey, Maria Ouspenskaya

Sou só eu que acho uma das coisas mais tristes da história do cinema de horror o fato do Wolf Man ser o único dos Monstros da Universal a não ter uma continuação só sua pra chamar de sua?😶 Tadinho, gente, todo mundo teve sua cota antes de se juntar naquilo que chamaríamos hoje de "universo compartilhado". Dracula teve duas, Frankenstein três (uma das quais melhor que o original). Até o povo que nunca entrou nos crossovers, como A Múmia e O Homem Invisível, tiveram quatro cada um! E o pobre do Larry Talbot teve que dividir seu estrelato já no primeiro retorno às telas. Isso me pega, sabia? Sou libriano.😅 Mas, enfim, é o que dá chegar só no fim da festa, quando a primeira grande onda do horror já começava a dar sinais de cansaço. Mas o fato é que, a despeito da companhia, a série de crossovers da Universal Films é muito mais do Lobisomem do que de qualquer outro dos monstros, em especial aqui, com metade do filme inteiramente dedicada a ele. E, verdade seja dita, o roteiro só pára de fazer sentido a partir do momento em que o monstro aparece. É quase como se Curt Siodmak tivesse sido contratado pra fazer uma sequência do The Wolfman e, no meio do caminho, ficou sabendo que teria que enfiar o Frankenstein no rolê. O resultado é desajeitado, claro, tanto quanto o pobre do Bela Lugosi interpretando o monstro cego (como estabelecido em Ghost of Frankenstein) só pra depois ter todas as referências à cegueira cortadas da edição final, o que o faz parecer um bocó em cena.🤭 Mas no que se refere a mitologia licantrópica não tem como não ficar empolgado. As cenas iniciais na cripta são provavelmente as mais arrepiantes de toda a franquia e, ainda que a introdução da imortalidade do lobisomem (que só poderia ser "morto" de forma temporária, pela prata ou similares) tenha se mostrado problemática a longo prazo, a ideia de um protagonista que tem como principal objetivo morrer é, no mínimo, intrigante. E, pro bem ou pro mal, esse seria o rumo que essa zona toda seguiria até o inevitável fim.
com Lon Chaney Jr., Boris Karloff, John Carradine, Anne Gwynne, Glenn Strange, Elena Verdugo

Há quase 80 anos A Casa de Frankenstein frustra os fãs de horror pelo mundo afora. Ao menos os que caem na conversa do "All Together!" prometida no cartaz, só pra descobrir que, pelo visto, os monstros preferem se virar sozinhos, muito obrigado.😜 A cara de pau é tanta que chega a ser admirável.😅 Nem parece ter rolado muito esforço pra criar uma trama que justificasse a real junção das várias mitologias. O roteiro se assume na caruda como uma estrutura episódica, com cada monstro basicamente ficando no seu quadrado. Drácula nem chega a se encontrar com o Wolf Man e Frankenstein e a luta climática entre os dois acaba soando como mera repetição de última hora do filme anterior. Um desastre então? Depende, se você encarar como "universo compartilhado", não dá pra negar que é brochante, mas se encarar como a terceira parte da saga de Larry Talbot, aí a coisa até que funciona bem. Não adianta, gente, no fim das contas, os chamados crossovers dos Monstros da Universal pertencem todos ao Lobisomem. É o único monstro que se mantém genuíno do começo ao fim, com o mesmo intérprete e caracterização do filme original. Carradine, quando muito, é um Dracula postiço, apesar de marcante, e quanto menos falarmos da "performance" de Glenn Strange melhor. Ainda que apareça bem menos do que no último filme, Talbot é o único personagem que tem um arco coerente. Sua busca é a morte, mas sua natureza ingênua o leva sempre a se agarrar a falsas esperanças e figuras paternas duvidosas, como o cientista louco do Boris Karloff (comovente, aliás, em suas interações com seu "antigo eu"🥀) e nessa vibe de buldogue pidão, que cai tão bem na persona do LonChaney Jr., o wolf man se estabelece como um "herói" simpático e carismático, a ponto de você não conseguir evitar torcer por ele e por um final feliz com a ciganinha de Elena Verdugo, por mais improvável que seja. Não é pouco, ainda mais num filme que tem todo o marketing voltado para o outro monstro. A casa(?) pode ser do Frankenstein, mas a saga é do Wolf Man!😉
com Lon Chaney Jr., JohnCarradine, Martha O'Driscoll, Jane Adams

A Casa de Drácula é um filme que me causa sentimentos dúbios. Por um lado, eu odeio (e deixe-me enfatizar: ODEIO) explicações pseudocientíficas para fenômenos sobrenaturais. Sempre achei um truque sujo, e até covarde, pra sair pela tangente e evitar bancar os aspectos mais inverossímeis da narrativa fantástica (o que é irônico porque, via de regra, o efeito é exatamente o oposto) e todo o enredo desse terceiro grande crossover dos Monstros da Universal é sustentado por esse tipo de coisa. Por outro lado (e aqui vou ter que dar um puta SPOILER do desfecho, e como spoiler NÃO TEM DATA DE VALIDADE, fica o alerta😉) essa abordagem acabou criando o pretexto pra algo que, lá no começo da série, teria sido impensável, mas que a essa altura do campeonato, não tenho como ver com maus olhos: um final feliz para Larry Talbot. Claro, não faz o menor sentido (pressão no cérebro, jura?), é bobo pra diabo e nunca teria funcionado numa história de lobisomem pura, mas não tem como: dá um quentinho no coração ver a carinha de buldogue do Lon Chaney Jr. vendo a lua surgir sem sentir os efeitos da transformação. E, convenhamos, ele merece. Seu Wolf Man foi o coração e a espinha dorsal de toda essa série (sem contar as vezes que usou a maquiagem do Monstro de Frankenstein pra dar uma folguinha pro Glenn Strange) e, na medida do possível, mantendo a dignidade no processo. Quem liga pro Dracula com "doença sanguínea" ou cientista doido com dupla personalidade? O legal é ver o tio Larry saindo no braço com o Monstro SEM a maquiagem, pra variar (e com o bigodão de amante latino, uai, por que não?😂). Falando sério, é claro que não dá pra lidar com os últimos estertores do ciclo clássico da Universal Horror em termos mais lisonjeiros. Era a raspa de tacho, em todos os sentidos, e fica evidente que o próprio estúdio lidava com o material assim. Mas também é inegável que o impacto do Lobisomem na cultura pop nunca teria sido o mesmo sem esses filmes e, apesar dos pesares, eu diria que, no fim das contas, valeu a pena.😊
com Bud Abbott, Lou Costello, Lon Chaney Jr., Glenn Strange, Lenore Aubert, Jane Randolph

Devo admitir, por mais que não seja (nada) fã de comédia americana (e comediantes americanos), que Às Voltas com Fantasmas é um filme muito mais bem resolvido do que todos os outros crossovers dos Monstros da Universal. É o único que realmente consegue justificar e equilibrar as participações de cada um dos monstros numa trama direta e coerente, onde todos tem função clara e razão para estar ali. Perfeito! Só foi preciso tira-los do estrelato e botar todo mundo na posição de escada para Abbott & Costello.🤔 Pois é, gente, é a vida. Do horror gótico pra comédia pastelão em meros 17 anos! Bom, na real a comédia já percolava desde o começo, como vimos lá no Werewolf of London, era só uma questão de tempo. Ainda seria preciso esperar até o advento da Hammer Films pra que o horror sobrenatural se firmasse de vez como gênero cinematográfico. Mas entre mortos e feridos, o ciclo clássico da Universal Horror até que não acabou mal. Bela Lugosi voltando como Dracula pela primeira vez desde 1931 tem grande peso e é curioso como ele parece a vontade tirando sarro do papel que o consagrou. Mas quem surpreende mesmo, pra variar, é nosso velho amigo Wolf Man, que já entra em cena como o único monstro herói (sem aspas dessa vez), ajudando a dupla de protagonistas patetas a derrotar o conde e seu plano diabólico de usar o Monstro de Frankenstein como fonte de energia. Evidente que sou da turma que considera tudo isso como um tipo de "universo alternativo", mantendo o desfecho do filme anterior intacto e canônico, mas não dá pra negar que a despedida de Larry Talbot aqui é igualmente digna e até mais divertida, sedimentando de vez a imagem do Lobisomem como um dos mocinhos, a despeito de sua propensão para atividades carnívoras noturnas (quem nunca?). Uma imagem tão cativante que inspirou o ator e diretor espanhol Paul Naschy a se tornar ele mesmo um anti-herói licantropo, cujas façanhas atravessam décadas em nada menos do que 12 filmes! Mas essa é uma outra história.😉


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