quarta-feira, 17 de maio de 2023

A Trilogia dos "Monstros da Universal" a la Jésus Franco - Uma Rápida Apreciação

Se tem uma coisa que eu não esperava voltar a fazer tão cedo, era escrever sobre Jésus Franco. O baixinho espanhol nunca fez parte da minha lista de cineastas favoritos. Até curto (bastante) alguns títulos específicos, como as adaptações de Drácula e Marquês de Sade dos anos 70, mas no geral sua obra fica (bem) longe de me provocar o tipo de devoção que observo em seus defensores mais ferrenhos.

Nada a ver com puritanismo, antes que alguém pense (Dionísio me livre!), mas justamente a forma um tanto desleixada e até tosca com que Franco tendia a abordar não só o erotismo, mas praticamente todos os aspectos da produção, ao menos nos filmes que cheguei a assistir. Não é como um Jean Rollin, entende? Que pode até parecer tosco à primeira vista, mas logo se revela um cineasta intencionalmente em busca de uma estética da artificialidade e do não-naturalismo que, acima de tudo, nunca abre mão de ser bela. Já Franco muitas vezes me parecia só tosco mesmo. E feio. E não tardou pra que eu começasse a jogar seus filmes na rabeira da lista de prioridades.

Imaginem minha surpresa quando me vi perdidamente apaixonado, numa dessas madrugadas malditas da vida, justamente pelo Dracula contra Frankenstein de 1972! Isso sim é cuspir pra cima e cair na testa!😅

Mas, gente, que pérola encantadora de pura poesia gótica!🥰 Muito diferente de sua grande fonte de inspiração nos crossovers dos Monstros da Universal dos anos 40. Franco entrega aqui um trabalho eminentemente experimental, quase sem enredo e, na maior parte, praticamente um filme mudo (ao menos na versão em espanhol). Uma sucessão de sequencias estilizadas que evocam a atmosfera e os clichês do gótico cinematográfico sem se preocupar com lógica narrativa, apenas a potência das imagens em si.

Alguém poderia dizer que é isso que Franco sempre faz, mas eu diria que não com tal requinte, tal melancolia. É visível seu afeto por esse universo, o cuidado com a encenação, mesmo diante das limitações orçamentárias, claríssimas nas maquiagens de Howard Vernon e Britt Nichols (ainda assim divina). E o que fica é a beleza... de Geneviève Robert invocando o Sol, a Lua e o Hombre Lobo pra levar Drácula e Frankenstein de volta pro inferno uma vez mais.🥀

Tamanho foi meu espanto ao me encantar assim com Dracula contra Frankenstein que me vi obrigado a dar uma espiada mais atenta no restante da assim chamada Trilogia dos "Monstros da Universal" a la Jésus Franco, complementada com La Fille de Dracula, de 1972, e La Maldicion de Frankenstein, de 1973.

Acontece que eu já tinha visto Daughter of Dracula uns anos atrás e foi justamente esse filme que fez com que eu meio que "desistisse" do Franco ou, ao menos, não fizesse tanta questão de correr atrás de suas obras.

Não seria a primeira (nem com certeza a última) vez que uma revisão me faria reavaliar completamente um filme ou um livro. Muita coisa que hoje eu amo, odiei da primeira vez que vi (aliás, essa é uma das principais razões pra que eu prefira só escrever sobre uma obra quando tenho algo de bom a dizer sobre ela, uma política bastante útil pra, entre outras coisas, prevenir possíveis injustiças).

Mas no caso dessa filha (bastarda) de Drácula, sou obrigado a admitir que minha primeira impressão não mudou nada. Na real, mais do que qualquer coisa, essa revisão só serviu para acentuar o que torna o filme anterior uma experiência tão mais impactante. Ainda que Dracula, Prisoner of Frankenstein (um dos trocentos títulos alternativos) tenha lá seus momentos toscos, em especial no que se refere a maquiagens e efeitos de monstros, o que ele não tem é uma encenação tosca, como se vê aqui. Aquele desmazelo estético que transforma o erotismo em softcore grosseiro, com direito a closes (quase) ginecológicos que, sendo bem sincero, brocham mais do que excitam.

Vejam que, novamente, não se trata de puritanismo, é o contrário: faz falta justamente um olhar mais cuidadoso sobre o erótico, algo que vá além da câmera na mão e luz branca estourada sobre corpos nus. Dracula contra Frankenstein não tem sequencias abertamente softcore, mas seu erotismo é infinitamente mais requintado e prazeroso.

E se parece que estou falando só disso é porque o foco de Franco aqui é esse. Os salpicos de horror e mistério nem tentam disfarçar sua função de escada e isso é muito, muito diferente de um não-enredo experimental como o do filme anterior. Ao menos Britt Nichols continua linda. E merecia bem mais do que isso.

Depois dessa, é claro que fui atrás do desfecho da "trilogia" com o entusiasmo já bem mais comedido. Até cauteloso, eu diria. Mas, talvez por isso mesmo, posso dizer que ao menos saí da sessão com um grande sorriso no rosto.

Definitivamente, The Erotic Rites of Frankenstein não chega aos pés do primeiro filme, mas também nem me parece que a pretensão fosse essa. Se o que tínhamos lá era uma declaração de amor incondicional e bastante solene aos Monstros da Universal e ao cinema gótico dos anos 30 e 40, aqui Franco me parece mais na vibe de flertar com eles, numa pegada bem ao estilo das surreais HQs eróticas francesas dos anos 70. No momento em que Anne Libert surge em cena com seu inacreditável figurino carnavalesco de mulher pássaro e começa a gritar como uma harpia, você já sabe que está na hora de acender o... digo, relaxar e se deixar levar pela viagem de ácido do Sr. Franco pelo universo do horror europeu setentista.

E, desde que você se mantenha nesse espírito, a viagem será divertidíssima! Mil vezes mais extravagante e visualmente estimulante do que aquele softcore preguiçoso de A Filha de Drácula e com uma caracterização no mínimo mais curiosa do que a que vimos em Dracula contra Frankenstein, compensando a falta de recursos de maquiagem e efeitos ao assumir uma estética mais teatral e não-naturalista, que vai desde a já citada mulher pássaro até o monstro de Frankenstein prateado a la estátua viva (tá certo que boa parte da plateia só vai achar tudo igualmente tosco mesmo, mas acreditem, crianças, assumir faz toda a diferença😉).

Isso posto, dá-lhe blasfêmias, profanações e fetichismo suficiente pra deixar até Guido Crepax encabulado! Em especial na versão francesa, que foi a que eu vi (a espanhola foi feita sob medida pra satisfazer os censores do General Franco que, como todo bom fascista, não curtia sexo, só violência).

Evidente que a ideia não era se levar a sério (ao menos espero que não😅) e claro que eu prefiro a pegada mais soturna e melancólica do primeiro filme, mas não deixa de ser um trabalho curiosamente experimental a seu modo. No mínimo me faz pensar se não valeria a pena, no futuro, dar um tantinho a mais de crédito ao bom e velho tio Franco.😏



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