quarta-feira, 6 de julho de 2022

(Re)Assistindo: Dois Sades de Jesus Franco

Marquis de Sade's Justine (1969)
com Klaus Kinski, Romina Power, Maria Rohm, Rosemary Dexter, Carmen De Lirio, Akim Tamiroff, Gustavo Re, Mercedes McCambridge, Serena Vergano, José Manuel Martín

Não sou um grande conhecedor da obra do Marquês de Sade. Uma falha que, não duvido, seria considerada passível de punição em sessões de sadismo das mais requintadas por certos círculos da subcultura gótica.😉 Mas vou aos poucos "me educando", como diria o Divino Marquês. Se não na fonte, ao menos em algumas das célebres (ou infames) adaptações cinematográficas de suas obras, como essa rara "superprodução" de Jess Franco (que deve ter ficado até meio perdido com tanta grana😅), baseada no clássico Justine ou Les Malheurs de La Vertu (Justine ou Os Infortúnios da Virtude) de 1791. A premissa em si já é uma maravilha: a doce e inocente Justine faz das tripas coração para preservar uma vida de princípios e virtude, só pra se ver sistematicamente lascada, traída, usada e abusada por tudo e todos que cruzam seu caminho, enquanto que sua irmã Juliette vai se tornando cada vez mais rica e influente como cortesã da corte, vivendo uma vida de vícios, devassidão e esbórnia como se não houvesse amanhã. Difícil imaginar veículo melhor para Franco, ainda que ele se mostre até que bem comedido e refinado, dada sua reputação (sinceramente, não dou conta de seus filmes posteriores a 1970, quando me parece que ele vai caindo progressivamente num erotismo tosco e grosseiro que sempre me faz lembrar da queixa de June para Henry Miller no belíssimo Henry and June de Philip Kaufman: "você faz tudo o que é belo ficar feio"). Não sei dizer se o final é o mesmo do livro, mas sem dúvida é uma obra-prima do deboche e do cinismo (☢️SPOILER☢️), com Juliette sincera e apaixonadamente declarando a superioridade moral da irmã, a "única das duas que merece o reino dos céus", enquanto a resgata da desgraça e da miséria com os bens e recursos acumulados em toda uma vida de vileza e imoralidade. Ironia fina... para tempos menos meméticos.😏
com Maria Rohm, Marie Liljedahl, Jack Taylor, Paul Muller, María Luisa Ponte, Anney Kablan

Digam o que for do Jess Franco, não dá pra dizer que o cara não era atrevido. Ele teve a (i)moral de adaptar A Filosofia da Alcova do Marquês de Sade não uma, mas TRÊS vezes, em 1970, 1973 e 1980. A segunda é sem dúvida a mais famosa, com a então musa do diretor, Soledad Miranda, mas a minha favorita mesmo é essa primeira. Não tem como, gente, é o tio Christopher Lee no papel de Dolmancé!😍 Tá certo que ele não faz absolutamente nada exceto pose, mas só de vincular a persona de Lee ao mais célebre "sodomita" da história da literatura já vale a escalação.😉 E Franco até que entrega uma versão bastante "fiel", se não às ideias (não esperem muito mais que pitadas dos diálogos e aforismos libertinos do livro), ao menos ao "enredo" básico, por assim dizer, ainda que o desfecho abreviado (o filme termina um pouco antes do final original) acabe dando uma conotação um tanto moralista para a trama como um todo, algo que duvido muito que Sade aprovaria.🤨 De qualquer forma, é um filme elegante. Cafona e sem a menor vergonha na cara, como não podia deixar de ser, mas surpreendentemente belo, sem nada daqueles escrachos e grosserias que tanto caracterizariam a obra de Franco dos anos 70 em diante. Maria Rohm está finérrima como a Madame Saint Ange. Marie Liljedahl (que, no mesmo ano, faria uma versão pra lá de espevitada de Sybil Vane na melhor de todas as adaptações de Dorian Gray) é o tipo de criaturinha por quem é difícil não se apaixonar. E toda aquela pegada gótico/erótica, com os seguidores byronianos de Lee performando rituais sadomasoquistas caracterizados no melhor estilo Hellfire Club, é daquelas cafonices brega chic que fãs de horror gótico podem até negar, mas na real não conseguem resistir.😏 E pra que? São os "punhados de rosas ao longo dos caminhos espinhosos da vida" de que Sade falava.🥀 E, aliás, que frase mais cafona essa, não?😅



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