quinta-feira, 8 de abril de 2021

Decadente e Sem Vergonha: O Dorian Gray dos anos 70


Talvez a maior surpresa da versão de 1970 de O Retrato de Dorian Gray seja a sua absoluta fidelidade ao clássico decadentista de Oscar Wilde. Afinal, a tendência é acharmos que um horror italiano assumidamente exploitation, que realoca a trama da era vitoriana para o começo dos anos 70, não teria condições de ser mais que uma variação bem livre e solta da novela gótica original.

Há! Sabe de nada, inocente! Dorian Gray e seu pacto faustiano com a própria imagem não só encaixam como uma luva no fervo setentista, como o próprio contexto da liberação sexual, e o consequente abrandamento da censura no período, tornam possível uma abordagem muito mais franca e despudorada de todo aquele decadentismo wildeano que tanto fazia falta na clássica, porém anêmica, versão hollywoodiana de 1945.

Chega a ser chocante a naturalidade com que o enredo e os personagens vão se encaixando. Herbert Low parece se divertir com seu Lord Henry Wotton ainda mais cínico e abertamente gay do que no livro. Marie Liljedahl encanta como uma geniosa e bem menos indefesa Sybil Vane. Mas Helmut Berger é quem nos tira o fôlego com sua beleza desconcertante e... eu não diria andrógena, mas apropriadamente bissexual. Seu Dorian é o único do cinema a dar conta tanto da frieza quanto da vulnerabilidade do personagem, algo vital num filme que não se esquiva das nuances mais sutis do texto de Wilde, recriando todas as principais passagens da novela com notável elegância e sagacidade, como na cena em que Dorian segura um espelho ao lado do rosto no retrato pra se certificar que as mudanças estavam realmente acontecendo. Uma solução cênica simples, mas mil vezes mais efetiva que as ilustrativas narrações em off da versão de 45.

E isso é só uma amostra do extravagante desbunde que é o terceiro ato, quando Massimo Dallamano explicita a jornada erótico-narcísica que Wilde só relata de forma resumida e até meio an passant no capítulo 11. É sexy, debochado, cafona e, acima de tudo, sem a menor vergonha na cara! A ironia é que é justamente por isso que muita gente menospreza o filme até hoje, taxando-o de apelativo, vulgar e sexploitation.

Uai? E tem como ser mais decadance que isso?😜



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