Sim, eu escolho o filme pelo cartaz. Como não? Olha só pra isso!👆 Namoro esse pôster já faz uns bons 10 anos, mas sempre acabava deixando pra depois, porque não havia legendas em português, e nem sempre estou com a disposição para traduzir. Mas agora que descobri que o DeepSeek traduz com uma qualidade inacreditável (é sério, sempre me irritei com aquele povo no Open Subtitles que joga a legenda no google translator e torce pelo melhor, mas, no caso do DeepSeek, o melhor realmente acontece, e a quantidade de erros pra corrigir é mínima!), resolvi tirar o atraso de um monte de títulos que eu ia guardando no HD para "quem sabe algum dia ver", e Cat Girl, de 1957, estava (quase) no topo da lista.
E confesso que, nesse meio tempo, quase não procurei informações sobre ele. Me bastava o cartaz, e o nome da Barbara Shelley ali no canto. Ainda discreta, em seu primeiro grande papel no horror, o que, decerto, lhe abriu as portas para se tornar uma das grandes divas do gênero, tanto dentro quanto fora da Hammer Films. Também sabia, é claro, que devia ser "inspirado" no Cat People de 1942. Até aí, muitos foram. Do final dos anos 40 até boa parte dos anos 50 não faltaram produções sobre mulheres-fera mais ou menos "inspiradas" no clássico de Val Lewton e Jacques Tourneur. Ainda que boa parte trocasse os gatos por outros bichos, talvez pra não dar tão na vista (os melhores na real, tipo Cry of the Werewolf ou Cult of the Cobra). Poucos eram tão carudos a ponto de meter um Cat Girl, assim, na lata, bem na marquise do cinema. Como de praxe, isso me punha num espírito de tudo ou nada ao conectar o HD na televisão: ou seria uma bomba vergonhosa, ou uma joia rara da cara de pau britânica.
O que eu não esperava era que fosse mesmo um remake de Cat People! Não oficial, mas intencional. Talvez não na gênese do projeto, a primeira versão do roteiro de Lou Rusoff chamava-se Wolf Girl, não Cat Girl, mas foi o que se tornou a partir de uma rescrita do diretor Alfred Shaughnessy, devidamente autorizada pela American International Pictures em sua primeira coprodução com a britânica Anglo-Amalgamated. Não um remake tipo "manutenção de marca" como tanto se faz hoje em dia (até porque os estúdios sequer detinham a marca), mas mais na linha do que o Paul Schrader viria a fazer em 1982, pegando o ponto de partida do original e levando-o para um outro rumo. No caso, não tão extremo quanto o A Marca da Pantera, mas, com certeza, fazendo de um conto de horror essencialmente urbano, uma narrativa gótica bem mais ao estilo do velho mundo.
"O amor pela escuridão, o desejo por carne crua e sangue quente. É minha herança para você." Ernest Milton sendo (bem) gótico com Barbara Shelley.
Barbara Shelley é Leonora, uma jovem recém-casada que retorna ao lar ancestral da família (de onde fugira uns anos antes), para ser comunicada pelo tio moribundo que chegou a sua hora de encarar a maldição da linhagem dos Brandt, e ser tomada pelo espírito do leopardo que assombra a família há 26 gerações. O que não fará (como você deve ter imaginado) que ela se transforme num animal, como Irina supostamente se transformava em pantera no filme original, mas sim que "compartilhe a alma" com o leopardo que o tio mantém numa câmara secreta da mansão. Como isso funciona, exatamente, nunca fica muito claro, nem se o tal leopardo (que, a princípio, é um animal de verdade, não um fantasma) tem sido o mesmo por todas essas 26 gerações, mas o fato concreto é que a tímida e assustada Leonora (que nome mais maravilhosamente Poe, não?) começa a se tornar, aos poucos, uma selvagem e deslumbrante felina, capaz de qualquer coisa para reconquistar um antigo amor da adolescência, e hoje seu terapeuta, vivido por Robert Ayres, incluindo enviar o seu "totem animal" para arrancar a garganta da esposa do bom doutor.
Feitas as devidas considerações sobre a repetição do velho tropos da rivalidade feminina por um homem (coisa que, vale lembrar, até rolava no original, porém de uma forma bem mais complexa e ambígua), o que mais me chama a atenção é como o arco de Shelley parece antecipar o de seu papel mais famoso em Drácula, o Príncipe das Trevas, de 1966, quase dez anos depois. O da senhora nobre, digna e rígida (e sensata, pois passa todo o primeiro terço, nos dois filmes, avisando a galera que vai dar merda, e ninguém a escuta!) que acaba se transformando numa luxuriante dama gótica após ser tomada pelas forças da escuridão. Só que, em Cat Girl, a coisa não é tão 8 ou 80 como a mordida de um vampiro, o que dá a Shelley a chance de ir alternando e sobrepondo as diversas facetas de suas duas personas, num desempenho tão imprevisível quanto cativante. Não dá pra desviar os olhos dela.❤️ No auge de seus 25 anos e cheia de gás pra gastar, Shelley se entrega ao papel com tamanha intensidade e volúpia que quaisquer falhas e inconsistências se tornam irrelevantes. E nos mantem do lado da bela Leonora para o que der e vier, independente do rumo que as coisas tomem, ou do quão diabólica ela possa vir a se tornar.
Não que o filme em si já não tome esse partido. Desde o começo a pobre herdeira parece cercada por todos os lados com figuras interesseiras e desagradáveis, como o marido que não está nem aí de continuar o rolo com a esposa do melhor amigo, mesmo com os quatro hospedados sob o mesmo teto, na mansão ancestral da família. Mas mesmo as figuras em princípio bem intencionadas, como o Dr. Marlowe, e potenciais vitimas, como a sua esposa Dorothy, são retratadas de forma sutilmente antipática, o que me parece ser intencional. É como se o filme se apaixonasse por sua anti-heroína, e tentasse fazer o melhor possível pra justifica-la até o último momento, quando a linha definitiva está prestes a ser cruzada.
E, no fim, é isso o que mais mantém Cat Girl próximo da essência do Cat People original, para além das ocasionais sequências criadas com a intenção explícita de remeter ao clássico, ou mesmo o cuidado de se preservar uma certa ambiguidade sobre a real natureza da maldição (ao menos na versão britânica, que é mais longa, e não tem os infames frames desfocados da máscara de gato que a AIP exigiu nas cópias americanas). Assim como Lewton, Shaughnessy deixa bem clara a sua cumplicidade para com os "desviantes", sem nunca se permitir cair na condescendência (que nada mais é que outra forma, mais sutil e politicamente bem aceita, de violência). Uma certa "simpatia pelo demônio" que se torna ainda mais fundamental num filme que se propõe a ser uma releitura tão ostensivamente gótica (quase até a caricatura) dos conceitos da obra-prima de Val Lewton e Jacques Tourneur.
O resultado, obviamente, não é uma outra obra-prima, se é que alguém esperaria que fosse. Nem mesmo uma subversão tão sacana quanto o remake oficial do Paul Schrader. Mas, sem dúvida, é uma releitura digna, que se encaixa como um "elo perdido" nessa profana linhagem do "Povo Gato" (ou, talvez, devêssemos dizer, "Mulheres Gato"?). Mais próxima, inclusive, da tradição do lobisomem da ficção gótica literária, bem mais variada e estranha do que a rígida mitologia cinematográfica estabelecida por Curt Siodmak no clássico The Wolf Man de 1941. Leonora até se refere ao tio como "lobisomem", algo que pode muito bem ter "sobrado" da primeira versão do roteiro, mas me agrada de qualquer forma, remetendo a um rico universo de "devires animais" que raramente extrapola a literatura, como o lobo "projetado" pra fora do corpo de O Acampamento do Cão de Algernon Blackwood, os etéreos shagfoals, gytrash e blackshucks do folclore britânico, ou mesmo aqueles "duplos animais", que Dion Fortune nos "ensinava" a (não) manifestar no seu célebre tratado de Autodefesa Psíquica. Quer dizer, se você acredita nessas coisas.😉
Já eu, bom... yo no creo en brujas... mas creio em cartazes do cinema de horror old school. Nem sempre eles me levam para os lugares mais recomendáveis, mas (como diria o Agente Cooper) com certeza são maravilhosos... e estranhos.🤗
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