terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Silentium est Aurum: Tentando falar de Algernon Blackwood


"São, infelizmente, na maioria das vezes, as emoções malignas que são capazes de deixar suas fotografias sobre as cenas e objetos em volta. Quem já ouviu falar de um lugar assombrado por uma nobre ação, ou de belos e adoráveis fantasmas revisitando os vislumbres da lua? É lamentável. Mas só as paixões perversas dos corações dos homens parecem fortes o suficiente para deixar imagens que persistem; as boas são sempre mornas." - Devoção Secreta (1908)
É até difícil pra mim falar em Algernon Blackwood. Não é sempre que um autor, por mais clássico que seja, consegue me pegar num nível quase pessoal, não só numa história ou outra, mas praticamente em toda a sua obra!

"'Ai de mim! Essa altura impetuosa! Meus
pés de fogo! Meus pés em brasa ardente!'
vinha ao longe, suplicando em ênfases
de apelo indescritível, esta voz
desconsolada descendo dos céus."

O Wendigo (1910) Arte de Lynd Ward 
Sério. De tudo o que me cai nas mãos em português (e, felizmente, Blackwood enfim deixou de ser um daqueles clássicos ignorados no Brasil, com novas edições pululando em rápida sucessão pela Cartola Editora, Sebo Clepsidra e Clock Tower) não há nada que deixe de ser, no mínimo, arrebatador.

Talvez isso nem devesse me surpreender, num cara que impressionou tanto até Lovecraft, mas eu meio que esperava isso dos títulos consagrados, tipo Os Salgueiros ou O Wendigo (1910), não de pequenas joias como O Encanto da Neve (1912) e A Estranha Morte de Morton (1910). O sorriso da menina vampira, cujos traços "não se deixam reter pela memória", permanece me assombrando tanto quanto o lamento surreal de Défago sendo levado embora pelo Wendigo, e se me perguntarem por que essas coisas me impactaram tanto, pode ser que eu tenha dificuldade pra explicar. Está nas entrelinhas, numa espécie de ressonância mítica, talvez uma memória ancestral, o pavor dos grandes ermos, da indiferença e imponderabilidade da natureza, o horror cósmico mesclando-se ao folk horror até se tornar uma coisa só.

Suponho que o histórico do autor com sociedades herméticas de estudo ocultista ajude, ao menos em parte, a explicar essa potência. Particularmente eu tendo a "no creer em brujas", mas o fato é que o único outro escritor capaz de me afetar de forma semelhante é Arthur Machen, que frequentava a Golden Dawn na mesma época de Blackwood, e seu personagem recorrente mais famoso, John Silence, ao contrário do cético e paracientífico Carnacki de William Hope Hodgson, soa muito mais como um iniciado nas ciências ocultas do que como o tradicional detetive do oculto da ficção pulp.

Enfim, não sei explicar porque Blackwood me pega tanto. Mas talvez seja melhor assim. Silentium est Aurum, como se diz. No fim, o que importa é ler.😉


Aproveitando o Ensejo:

"O gato selecionado, já adulto, vivia com John Silence desde filhote, um filhote de espantosa doçura e travessuras audaciosas. Era caprichoso e fantasioso, sempre ocupado com seus jogos misteriosos nos cantos da sala, pulando em nadas invisíveis, saltando de lado no ar e aterrissando com as minúsculas patas em outra parte do tapete, mas, com um ar de seriedade digna, mostrando que a performance era necessária ao seu bem-estar, e não feita apenas para impressionar o estúpido público humano. No meio de uma limpeza elaborada, ele erguia os olhos, assustado, como se visse a aproximação de algum invisível, inclinava a cabecinha para o lado e estendia uma pata de veludo para inspecionar com cuidado. Então ele se distraía, e olhava com a mesma intensidade para outra direção – apenas para confundir os espectadores – e, de repente, continuava a lamber furiosamente o corpo mais uma vez, mas em um lugar totalmente novo. Exceto por uma mancha branca em seu peito, era preto como carvão. E seu nome era... Pazuzu." - Uma Invasão Psíquica (1908)

Sim, eu sei que o gato da história se chama Fumaça, mas Pazuzu é o MEU gato, tá bom?!😜 E o ÚNICO ponto em que ele difere da descrição é no nome! Até a manchinha no peito ele tem!🥰

Mas falando sério (ou não), tem como não se apaixonar por um detetive do oculto que investiga uma casa assombrada levando um gato preto e um collie como assistentes?🤗

Mas se isso não for suficiente pra você, só vou comentar mais quatro coisinhas:

1) Das seis (longas) histórias do personagem, nenhuma é menos que espetacular. Ponto!

2) Em cada uma dessas seis histórias há pelo menos uma passagem como aquela no topo da postagem; aforismas que extrapolam os limites da narrativa e se tornam quase como reflexões críticas sobre o gênero do horror e a ficção fantástica de modo geral.

3) Doses experimentais de "Cannabis indica" resultam em considerável ampliação da clarividência e contato direto com outros planos e forças transcendentais do além (sem contar a larica e o senso de humor histérico, naturalmente). Na dúvida sobre o quanto seria exatamente uma "dose experimental", digamos que é conveniente usar com moderação.😅

4) Talvez seja só eu, mas toda vez que Blackwood descreve o Dr. Silence, a imagem que me vem na cabeça é o Peter Cushing usando barba.😉

3 comentários:

  1. Tenho em mãos o volume mais recente lançado pela Clock Tower/Ex Machina "O salgueiro e outros assombros da natureza" e o seu texto me deu ainda mais vontade de conhecer os textos do Blackwood. Aliás, os seus textos são sempre tão bem escritos e ricos de informações que se você ainda não escreveu um livro a respeito de qualquer tema dos quais você domina, por favor pense nisso. Aliás, quem sabe um curso online pra falar a respeito de cinema e literatura de horror old school? Adoraria participar.

    Abraço, Vitória

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    1. Quem sabe um dia, né?🙂 Por agora eu meio que considero o blog como meu livro. E, de certa forma, uma aula aberta infinita.😉

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    2. Teu blog é precioso!!!

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