Em vida Bava só viu essa versão bizonha de seu "Lisa e o Diabo" nos cinemas. |
Porém, tudo tem dois lados: essa valorização do "director´s cut" acabou gerando alguns fenômenos aberrantes. De repente todos os blockbusters passaram a ter "versões do diretor" em DVD mesmo que o diretor já tivesse total controle criativo para lançar a versão de cinema. Ou seja, os filmes começaram a ser lançados propositalmente "mutilados" apenas para ganhar uma grana a mais no lançamento da "versão completa" em DVD e bluray, o que não apenas banalizava o conceito de "director´s cut", como acabava se tornando um desrespeito ao frequentador assíduo de cinema, que - no limite - comprava ingresso para ver versões reduzidas ou até mesmo não finalizadas.
Por mais célebre que seja, a "aranha" só funciona como cena deletada. |
O diretor William Friedkin aparece no documentário comentando cada uma dessas cenas e explicando porque foram deletadas. As motivações eram puramente artísticas, as cenas ou não funcionavam ou afetavam negativamente o ritmo e a ambiguidade da história. A cena da aranha, em especial, Friedkin explica detalhadamente como não conseguiu achar um modo de encaixa-la na montagem de forma realmente orgânica, chegando por fim à conclusão de que o filme funcionava melhor sem ela.
Mas o mais interessante é a cena deletada do final, que acaba gerando um debate (que pode ser assistido de camarote no documentário, mais ou menos a partir do minuto 46) entre o diretor e o autor do livro, William Peter Blatty. O escritor preferia um epílogo mais esperançoso, odiava a ideia de que o público saísse do cinema deprimido, achando que "o diabo venceu" (o que é até compreensível, vindo de um cara que antes só escrevia comédias), enquanto Friedkin defendia veementemente sua opção por uma abordagem mais sutil e ambígua, que permitisse que cada espectador levasse consigo sua própria interpretação dos acontecimentos do filme e seus possíveis significados. No fim das contas os dois terminam sem conseguir chegar a um consenso, mas o que realmente importa no debate é que ele deixa bem claro que não houve interferência alguma do estúdio no que se refere a manter ou não essas cenas, não houve nenhum corte à revelia do diretor por conta de interesses comerciais, Friedkin teve total controle criativo e cada fala no documentário atesta isso.
Pois bem... chega a época do aniversário de 30 anos e, do nada, Friedkin muda todo o discurso! Remonta o filme com todas as cenas que antes afirmava não funcionarem (incluindo até o tal final esperançoso pelo qual demonstrara tanto despeito), enfia efeitos digitais redundantes em inúmeras passagens e relança o clássico nos cinemas e em DVD com o apelativo título de "O Exorcista - A Versão que Você Nunca Viu", e enchendo o cu de dinheiro no processo, claro. Nada mal para um diretor que não obtinha um hit praticamente desde 1973, não é? Em making ofs mais recentes, como Faces of Evil, ele tem a pachorra de dizer que fez a nova versão em homenagem ao grande amigo Blatty! Que era muita arrogância de sua parte querer fazer tudo do seu jeito, que hoje está mais velho e mais sábio, que os cortes na verdade foram sugestões de um executivo qualquer (que sequer era mencionado em Fear of God!), que a cena da aranha só ficou de fora porque os cabos apareciam e não por problemas de ritmo e montagem como afirmava antes... enfim, uma bela de uma conversinha pra boi dormir.
A famigerada e onipresente "versão do diretor" |
A questão aqui, claro, não é renegar teimosamente a nova versão, que tem seus admiradores. Mas sim questionar por que a versão original precisava ser eclipsada no processo, a ponto do público atual sequer ter chance de comparar uma com a outra. Numa irônica e triste inversão de propósito, ao invés de resgatar do limbo uma obra artística que havia sido adulterada e banida por interesses comerciais, agora é o próprio "director´s cut" que se torna uma ferramenta para adulterar e banir!
Assim, manter um release decente do verdadeiro "O Exorcista" de 73 disponível na internet acaba se constituindo num verdadeiro resgate histórico, para que as novas gerações de cinéfilos possam ao menos ter oportunidade de assistir, de fato, o filme que tanto impactou a história do cinema de horror em 1973, não uma versão alterada por um olhar de 30 anos depois.
Steven Spielberg nunca escondeu seu arrependimento por ter dado atenção ao amigo George Lucas (nem vou falar aqui do caso Star Wars...) e alterado cenas de seu clássico "ET" para o lançamento em DVD de 2002. Quando voltou atrás e resgatou a versão original para o bluray, o diretor explicou porque se arrependeu de forma bem simples (e, convenhamos, bem óbvia): ao se tornar parte da cultura, uma obra artística não é mais propriedade de quem a criou (se é que algum dia foi), mas sim do público, tornando-se parte do imaginário e da vivência de cada espectador que entra em contato com a obra e a torna... sua. "Senti como se tivesse roubado das pessoas que amam E.T. as suas memórias do filme (...) nunca mais cometerei esse erro".
Nunca tinha pensado nisso, sempre vi a versão do diretor como uma coisa boa para o diretor, que provavelmente tinha sido sufocado pelo estúdio na época do lançamento original. Lembrei da versão de Apocalypse Now, com a adição da palavra Redux. Vi no Cine Humberto Mauro da Unimep há uns 13 anos e foi a única que vi rsrsrs.
ResponderExcluirCalma, na maioria das vezes o "director´s cut" continua sendo algo bem aproveitado, vide o caso de "Lisa e o Diabo". Casos picaretas em que um suposto director´s cut não passa de caça-níqueis, como "Alien" e "O Exorcista", felizmente são exceções, só é preciso ficar atento pra separar o joio do trigo. "Apocalipse Now Redux" é, sem dúvida um director´s cut digno, ainda que, hoje em dia, muitos cinéfilos afirmem preferir a versão de cinema. Resumindo: desde que todas as versões estejam disponíveis para o cinéfilo escolher, tá tudo ok. O que não pode é sumir com a versão original, como aconteceu com o Exorcista.
Excluir"O exorcista" já nasceu amaldiçoado. A começar que a versão original do cinema jamais foi lançada em mídia analógica, quiça digital. Pois o filme foi remixado e as cores alteradas para o relançamento em 1978, e aquela versão que vi no cinema em 1974 simplesmente desapareceu. esta verão alterada prevalece até hoje, mesmo no "director cut". Na original as havia uma tonalidade esverdeada em quase todo o filme, algo parecido com o cinema europeu da época, que usava tons estranhos, como nos western spaguetti.
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