segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Fantasmas Não Pagam Aluguel

São tantas as histórias sobre casas mal assombradas que a gente acaba tendo a impressão de já ter visto todas as variações possíveis do subgênero... mas é só dar uma boa olhada no passado (que, como eu sempre digo, é onde se encontram as maiores novidades) e a gente acaba topando com alguma coisa, tipo... que tal uma história de casa mal assombrada contada do ponto de vista da imobiliária que precisa aluga-la?😉

O livro em questão é a novela "The Uninhabited House", publicada em 1875 por uma certa Mrs. J.H. Riddell. Escondida assim sob o nome do marido (o que sempre me faz lembrar do maravilhoso comentário de Vanessa Ives, em Penny Dreadful, a respeito do nome de casada de sua amiga Mina: "você não parecia se importar com essa perda de si mesma...") estava a escritora irlandesa Charlotte Eliza Lawson Cowan ou Charlotte Riddell, uma das mais renomadas autoras de histórias de fantasmas na língua inglesa, na tradição dos anuários de Natal.

Assim como a maioria dos escritores do período (especialmente as escritorAs) é praticamente inédita no Brasil e foi com grande surpresa que topei com uma edição de A Casa Desabitada numa das minhas regulares explorações em sebos. O volume, publicado em 1994 num pequenino e elegante formato de livro de bolso, fazia parte de uma fugaz mas bem bacana coleção da Editora Marco Zero: "Coleção Mistério: Obras-Primas do Suspense Sobrenatural", que até onde pude investigar não passou de quatro títulos.

Capa da edição original de
"The Uninhabited House"
Claro que com uma premissa dessas o humor negro tão tipicamente britânico não poderia deixar de ser um dos principais elementos da novela. Conduzindo a narrativa com um delicioso sendo de ironia, Charlotte (espero que ela me perdoe a intimidade, mas não me sinto confortável de usar o nome do marido que, no fim das contas, só lhe trouxe infelicidade e dívidas) vai nos apresentando uma pitoresca lista de personagens descritos com um incondicional carinho e afeição, independente de suas mais que marcantes falhas de caráter e idiossincrasias, com destaque para a adorável/detestável Srta. Blake, a herdeira do imóvel que o escritório dos "Srs. Craven e Filho" (na verdade só o filho no momento em que a história começa) luta para manter alugado e assim garantir a subsistência da insuportável/encantadora velhinha (tenho uma certa mania de visualizar meus atores e atrizes favoritos nos "papéis" de certos personagens dos livros que leio: visualizem Bette Davis e terão uma ideia da impressão causada pela Srta. Blake 😁).

Ainda que o Sr. Craven (o filho, que poderia ser vivido tranquilamente por Peter Cushing) e seus funcionários não acreditem em fantasmas, o fato é que a aprazível mansão à beira do Tâmisa não consegue manter nenhum inquilino por muito tempo. Todos rompem os contratos e dão o fora depois de no máximo alguns meses ou até menos, o que torna a propriedade e sua dependente um pepino que ganha ares míticos na própria história da firma.

Charlotte Riddell aos 43
Assim, sem abandonarmos o escritório na Buckingham Street durante mais da metade do livro, vamos conhecendo a história da Casa Desabitada indiretamente, até o momento em que o narrador, um dos funcionários da firma, passa a se envolver pessoalmente nos eventos e enfim nos leva com ele para o interior da mansão. Essa estrutura ajuda a intensificar o elemento de dissimulação tão vital para a narrativa gótica clássica, com os fenômenos sobrenaturais nos sendo apresentados em segunda ou terceira mão através de contratos, documentos, relatos de testemunhas e autos de processos, formando círculos concêntricos que vão se estreitando até nos render ao fantástico sem precisar jamais vulgariza-lo. Não é, todavia, um dos mistérios góticos mais criativos ou mesmo chocantes, a solução nos capítulos finais não deixa de ser até levemente desapontadora, traindo um certo viés folhetinesco na novela. Mas a essa altura já fomos mais do que fisgados pelo charme do livro e pelo calor humano indiscutível dos personagens. Não é difícil fechar a última página com um grande (e bobo) sorriso no rosto.😊

Coleção Mistério: O Amante Fantasma, de Vernon Lee; A Casa Desabitada, de Charlotte Riddell,
O Fantasma dos Guirs, de Charles Willing Beale e A Bruxa Âmbar, de Wilhelm Meinhold.

Infelizmente toda a "Coleção Mistério" está esgotada e não há epubs disponíveis na rede. Mas acredito que não é difícil encontrar exemplares a preços razoáveis em sebos. Até onde pude sondar, as únicas outras obras da autora disponíveis em português são ocasionais contos publicados em coletâneas, como "A Casa Velha na Alameda Vauxhall" (The Old House in Vauxhall Walk), incluído em O Grande Livro das Histórias de Fantasmas da Suma das Letras, e "A Porta Sinistra" (The Open Door), publicado no volume Vitorianas Macabras da Darkside Books (dois livros inteiramente dedicados às tão negligenciadas autorAs da literatura gótica clássica).

Um comentário:

  1. Poxa, vi esse livro na Estante Virtual e pensei que fosse sem graça, vou correndo adicionar na lista!

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