segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

No creo en brujas... pero los niños creen...


Cultuado por gente como Guillermo del Toro (que nunca disfarçou sua paixão pelo gênero, como atesta o híper-gótico A Colina Escarlate), o cineasta mexicano Carlos Enrique Taboada é uma dessas figuras emblemáticas do cinema fantástico mundial que, infelizmente, só os iniciados conhecem (e muitas vezes só de ouvir falar).

Seus filmes de horror gótico, ainda que não escondam certa influência britânica (especialmente do cinema da Hammer) se apropriam do estilo para o contexto do imaginário latino com um brilhantismo temático e refinamento estético marcadamente superiores à média do cinema de horror mexicano do mesmo período. Filmes pequenos e baratos, porém estilosos até na escolha dos títulos, como Hasta el Viento Tiene Miedo (1968), El Libro de Piedra (1968) ou Más Negro que la Noche (1975).

Mas sua obra prima, sem dúvida, é Veneno Para as Fadas (Veneno para las hadas), de 1984, uma angustiante (ainda que delicada) tragédia inteiramente situada no universo paralelo da infância, aquele que a maioria dos adultos parece esquecer depois de crescer.

Como nos desenhos de Charlie Brown e Snoopy, os adultos são apenas vozes que surgem de fora da tela ou pares de pernas que atravessam o enquadramento, enquanto a câmera jamais abandona o plano baixo onde os pequenos vivem, território no qual uma estranha dinâmica vai tomando forma no relacionamento de duas meninas, sem que nenhum responsável se dê conta do que está acontecendo.

Verónica (Ana Patricia Rojo, que depois cresceria para viver a Penélope de Maria do Bairro) é uma garotinha linda e loira, com cara de anjo ou de princesa de contos de fadas, que só se interessa de fato pelas histórias arrepiantes de bruxas que sua babá conta na hora de dormir. Hiper-imaginativa e fascinada com o suposto poder e superioridade das feiticeiras, Verónica acaba convencendo a ingênua e subserviente amiguinha de escola Flavia (Elsa María Gutiérrez) de que é uma bruxa de verdade, capaz dos mais terríveis feitiços e determinada a se tornar a "a bruxa mais malvada de todas".

Não é nada incomum na infância (diabos, em qualquer idade), o estabelecimento de dinâmicas de "amizade/afeto/amor" que, no frigir dos ovos, nada mais são que relações sadomasoquistas de dominação/submissão (quase) inconscientes. Na prática, duas psiques (in)compatíveis se encontram e grudam com a intensidade de pólos magnéticos opostos, formando um equilíbrio mais ou menos estável que pode se manter por anos e anos e pelas mais diversas situações, independente do quão venenoso seja para os envolvidos.

No filme de Taboada a ligação mórbida entre as duas meninas, temperada pelo elemento fantástico, evolui rapidamente para uma relação de servidão de dupla face. Por um lado, Flavia torna-se literalmente escrava da persona-bruxa da amiguinha. Por outro, Verónica não tem como compreender que está se perdendo cada vez mais numa fantasia doentia estimulada continuamente pelo terror/gozo da parceira submissa que, sub-repticiamente, vai exigindo cada vez mais e maiores "feitiços" e "maldades" para manter tanto o controle quanto o gozo da dominadora nos mesmos níveis. Um equilíbrio extremamente delicado e volátil, muito além da compreensão de meras crianças quase ignoradas pelos adultos. Um equilíbrio cujo desmoronar não é só uma questão de tempo... mas de limites.

E assim o jogo perturbador de inocência/perversidade cresce de forma inacreditável até um clímax arrebatador e inesquecível. Uma pequena obra-prima do cinema de baixo orçamento que, como sempre digo, é onde o gênero do horror de fato se realiza e se desenvolve enquanto forma de expressão artística capaz de dar conta dos aspectos mais intensos dessa estranha experiência que é ser humano.


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