segunda-feira, 25 de março de 2019

Um Primo Pobre do Imaginário Coletivo...


Sempre achei curioso que enquanto alguns monstros e criaturas míticas do folclore mundial, tipo vampiros e lobisomens, se tornaram subgêneros permanentes do cinema fantástico, com infinitas abordagens e variações, certas lendas parecem simplesmente nunca vingar.

O Yeti, mais conhecido como o Abominável Homem das Neves, é um desses primos pobres do imaginário coletivo. Todo mundo meio que tem uma vaga noção do que se trata, mas é extremamente raro que surja algum filme (ou livro, ou quadrinho) que tente usar o yeti como ponto de partida e, quando aparece, tende a virar algo do tipo "monstro genérico comedor de gente" que, no fim das contas, podia ser qualquer coisa.

De fato, ousaria dizer que o melhor filme já feito sobre o mítico antropóide do Himalaia continua sendo The Abominable Snowman, de 1957, notável precursor do período áureo da Hammer Films, ao lado das primeiras tentativas do estúdio de fazer a transição do típico sci-fi americano dos anos 50 de volta para as raízes do gótico britânico, The Quatermass Xperiment, X the Unknown e Quatermass 2, mas injustamente não tão conhecido e festejado quanto essa célebre trinca.

Estrelado pelo futuro cavalheiro do horror, Peter Cushing, o filme se destaca principalmente pela inteligência do roteiro de Nigel Kneale (criador do irascível Professor Quatermass) e pelo hábil jogo de esconde-esconde que o diretor Val Guest estabelece entre os membros da expedição e a(s) misteriosa(s) criatura(s) que, claro, realmente habita(m) as neves eternas do Himalaia, numa maravilhosa demonstração de como limitações de orçamento e efeitos podem potencializar soluções cênicas engenhosas e surpreendentes (uma habilidade quase extinta nos atuais diretores de blockbusters).

A sagacidade do subtexto ecológico, que já era contundente nos anos 50, parece ganhar ainda mais impacto diante do obscurantismo atual, quase nos fazendo torcer pela concretização do futuro insinuado por Kneale, no qual a fracassada espécie humana acaba dando lugar a uma raça mais antiga e mais sábia.

Pensando bem... talvez até faça sentido que não se façam tantos filmes sobre yetis: pode ser sábio poupar ao menos algumas ilhas de imaginário coletivo da voracidade inesgotável de nossa cultura pop...



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