Roland Barthes chamava de punctum aquele pequeno detalhe numa fotografia que se projeta como uma seta e nos fere. Algo que nem era foco de interesse do fotógrafo, mas que se torna o próprio coração da imagem para nós. Tal detalhe, uma vez visto, nunca mais pode deixar de ser visto, acabando por resignificar/subverter a obra inteira, independente das intenções originais do autor.
Machista, claro, até bobo, só uma diversão ligeira que eu curtia, no máximo, pela estonteante beleza do technicolor. Até que a seta me atingiu. Explico: desde o momento em que surge em cena, Novak está sempre "sobrenaturalmente" deslumbrante, a mais perfeita representação do glamour hollywoodiano dos anos 50, mas com um pequeno toque de displicente frescor: os pés descalços. Fosse qual fosse o figurino, a feiticeira deslizava descalça e confiante pelos carpetes de seu antiquário, chegando a brincar de footsie com Stewart numa cena que até foi parar no cartaz. Porém, quando se declara apaixonada e sem poderes na sequência final em sua casa, Novak do nada aparece... de salto alto!
Tal foi o punctum que resignificou o filme todo para mim. Não era mais uma comédia, mas uma tragédia. A história de uma queda, da perda da magia e da perda de si. Uma história sobre pés esmagados se equilibrando desajeitadamente sobre o solo onde antes deslizavam livres. No limite, um horror gótico. Belo, cruel e triste.
E uma vez que a seta nos atinge, não há como deixar de ver.
Nem de ferir.
Nem de ferir.
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