sábado, 31 de março de 2018

Invertendo a Composição...


The Witch Who Came From the Sea AKA A Bruxa que Veio do Mar (1976) começa a chamar a atenção numa certa cena ainda bem no começo, quando a protagonista vivida por Millie Perkins seduz, embriaga e amarra na cama dois musculosos jogadores de futebol americano, num jogo fetichista que terminará com uma aflitiva combinação de gilete e tendão de aquiles.😳

Mas não é a violência que surpreende, até aí isso é o de menos, mas sim a extremamente rara (não só no cinema de horror, mas nas artes em geral) objetificação ​dos corpos masculinos e viris no papel de vítimas sexys.

Se fossem duas belas mulheres amarradas uma a outra na cama prestes a serem assassinadas com requintes de crueldade e elaborada mise-en-scène estaríamos confortavelmente instalados em terreno mais do que familiar, ainda mais no período áureo do horror nos anos 70, com o ciclo giallo italiano rolando a toda na Europa, cheio das mais deslumbrantes bella donnas cruelmente trucidadas em sequencias do mais fino rigor estético, como numa re-evocação ad infinitum da célebre/infame máxima da Filosofia da Composição de Edgar Allan Poe: "a morte de uma donzela no auge da beleza e juventude é sem dúvida o tema mais poético que existe".

Mas o que é de fato impressionante (e bastante revelador) nessa cena, dirigida de forma seca e cruel por Matt Cimber, é constatar o quão desconcertante essa "simples" inversão de papéis acaba sendo. A sequencia inteira parece se tornar mais tensa, mais desconfortável, mas não só isso, torna-se estranhamente constrangedora, no limiar do patético, bem próxima do ridículo, ainda que (por mais contraditório que isso soe) jamais perca sua força, fascínio e mesmo sex appeal. Por que isso?

É uma boa pergunta, não é? Por que será?😉

De qualquer forma, mesmo que no restante da projeção o filme acabe tendo que cumprir certos pré-requisitos comerciais do exploitation americano setentista, essa cena sozinha já bastaria pra colocar a triste e extremamente humana história de Molly um patamar acima da exploração pura e simples das misérias humanas, lhe conquistando um lugarzinho discreto, mas nem um pouco desprezível, entre as mais interessantes serial killers da história do cinema.



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