de Don Siegel
com Kevin McCarthy, Dana Wynter, Larry Gates, King Donovan, Carolyn Jones, Jean Willes, Ralph Dumke, Virginia Christine, Tom Fadden
É curioso revisitar as adaptações clássicas de The Body Snatchers de Jack Finney nesses tempos de redescoberta crescente do socialismo e do comunismo (em especial nas suas vertentes marxistas / leninistas) como talvez a única força política capaz de efetivamente se contrapor à ascensão fascista que temos testemunhado nos últimos anos. Finney sempre negou que seu livro fosse uma alegoria política, seja de direita ou de esquerda, e até não vejo tanta razão pra duvidar dele, mas me parece meio difícil rever essa versão de 1956 de Siegel sem associa-la àquele tipo de paranoia anticomunista mais rasteira e de senso comum, bem típica da... bom, eu ia dizer da guerra fria mas, na real, de sempre. Uma espécie de equiparação infantil entre senso de coletividade e ausência de emoções, como se o mero ato de questionar o individualismo já equivalesse a uma perda de identidade e, no limite, da própria humanidade. Tá certo que Siegel não passa nem perto do cinismo da versão de 2007 (que chega ao nonsense de afirmar com todas as letras que uma sociedade capaz de superar as mazelas sociais só poderia ser uma sociedade de zumbis), mas acho um tanto improvável rever aquela icônica cena em que Kevin McCarthy grita diretamente para a câmera (e de forma divertidamente melodramática) que "vocês serão os próximos" e interpreta-la como qualquer outra coisa senão um eco do macarthismo (e não uma crítica como alguns autores defendem, ainda mais levando em conta o contexto e as posturas políticas futuras de Siegel). Claro que nada disso compromete os méritos de Vampiros de Almas enquanto cinema (diferente da versão de 2007) ou mesmo seu status como um pequeno clássico do sci-fi horror americano, mas ainda seria preciso esperar até 1978 para que o conceito dos pod people de Finney fosse devidamente explorado em todo o seu potencial, tanto artístico quanto político.
com Donald Sutherland, Brooke Adams, Jeff Goldblum, Veronica Cartwright, Leonard Nimoy, Art Hindle, Lelia Goldoni, Kevin McCarthy
Um belo dia, você se dá conta de que seu pai não é mais seu pai. Seu marido não é mais seu marido. Sua tia não é mais sua tia. Eles parecem os mesmos, mas não são. Algo mudou. Algo aconteceu. Suas atitudes se tornam estranhas, suas posturas incompreensíveis, você não os reconhece mais. E descobre que, de algum modo, agora você tem medo deles. Pois é... acho difícil, no Brasil de hoje, deixar de pensar no bolsonarismo ao reler essa premissa, o que é um verdadeiro atestado à amplitude e potência do conceito original de Jack Finney para seu livro The Body Snatchers de 1955, ironicamente mais associado a uma forma grosseira de anticomunismo durante a maior parte do século XX, muito em conta da influência da adaptação de Don Siegel de 1956. De minha parte, sempre achei que a ideia se prestava melhor a uma representação estilizada de um fenômeno fascista e é nessa linha que a versão de Kaufman de 1978 me parece realmente funcionar. Invasores de Corpos é, sem dúvida, a melhor das quatro adaptações e um dos filmes mais assustadores de toda a safra setentista de horror no cinema americano, capturando de forma angustiante aquele senso de desencanto e derrocada dos ideais da contracultura em meio à aridez de uma San Francisco cada vez mais cínica e rendida às lógicas do sistema. De certo modo, é quase como se os pod people sequer fossem "alienígenas" de fato, mas um tipo de consequência lógica de um longo e inexorável processo de desumanização que, não por acaso, tem seu "ponto de virada" no ato de adormecer. Sem falar, é claro, de um psicólogo como porta voz e nada além de um bando de ex-hippies e restolhos da New Age para lhe oferecer a mínima resistência, temendo e esperando (como nós aqui no Brasil) pelo inevitável momento em que um rosto outrora amigo nos apontará o dedo na multidão e emitirá aquele longo e aflitivo grunhido gutural.
Abel Ferrara é um cara esperto. Um cineasta autoral que sabe muito bem que não se aperfeiçoa aquilo que já é perfeito. Talvez por isso a sua versão de The Body Snatchers de 1993, ainda que tecnicamente seja vendida como uma nova adaptação do romance de Jack Finney, tem muito mais a cara de uma continuação, ou mesmo um derivado da versão de Philip Kaufman de 1978, inclusive parecendo pressupor uma audiência que já saiba muito bem o que está rolando (ou o que vai rolar) e não precise de maiores explicações pra cair de cabeça na ação. A própria distribuidora deve ter se ligado disso ou não teria lançado o filme por aqui como Os Invasores de Corpos: A Invasão Continua. Dito isso, é tranquilo afirmar que Ferrara não passa nem perto do impacto do filme anterior, mas ao menos fica livre pra brincar com certas minúcias e esquisitices dentro desse universo, indo muito mais fundo nos aspectos de body horror (e exploitation horror) implícitos na premissa, quase ao ponto do fetiche (Gabrielle Anwar rolando na banheira com sua clone, oh my God!🤭), e não tendo a menor vergonha na cara de apelar para o deboche na hora de explicitar as suas críticas políticas (afinal, o que diferenciaria um militar de um pod people? É tudo igual!😅). Ainda assim, há momentos de horror visceral genuínos, que nos tomam de assalto e praticamente obliteram os eventuais furos e inconsistências, como na inesquecível sequencia em que Meg Tilly faz o seu tenebroso discurso, talvez o único ponto em que Ferrara consegue de fato atingir aquela ressonância arrebatadora da versão de Kaufman: "Ir aonde, Steve? Para onde vai correr? Aonde vai se esconder? Lugar nenhum. Porque ninguém como você restou!". E, com isso, me dou ao luxo de fechar essa breve revisão desses clássicos do horror político americano com uma nota alta e bem distante daquele anticomunismo bocó dos anos 50. Afinal, quanto menos falarmos da péssima (e reacionária) versão de 2007 melhor, né?😉
Um belo dia, você se dá conta de que seu pai não é mais seu pai. Seu marido não é mais seu marido. Sua tia não é mais sua tia. Eles parecem os mesmos, mas não são. Algo mudou. Algo aconteceu. Suas atitudes se tornam estranhas, suas posturas incompreensíveis, você não os reconhece mais. E descobre que, de algum modo, agora você tem medo deles. Pois é... acho difícil, no Brasil de hoje, deixar de pensar no bolsonarismo ao reler essa premissa, o que é um verdadeiro atestado à amplitude e potência do conceito original de Jack Finney para seu livro The Body Snatchers de 1955, ironicamente mais associado a uma forma grosseira de anticomunismo durante a maior parte do século XX, muito em conta da influência da adaptação de Don Siegel de 1956. De minha parte, sempre achei que a ideia se prestava melhor a uma representação estilizada de um fenômeno fascista e é nessa linha que a versão de Kaufman de 1978 me parece realmente funcionar. Invasores de Corpos é, sem dúvida, a melhor das quatro adaptações e um dos filmes mais assustadores de toda a safra setentista de horror no cinema americano, capturando de forma angustiante aquele senso de desencanto e derrocada dos ideais da contracultura em meio à aridez de uma San Francisco cada vez mais cínica e rendida às lógicas do sistema. De certo modo, é quase como se os pod people sequer fossem "alienígenas" de fato, mas um tipo de consequência lógica de um longo e inexorável processo de desumanização que, não por acaso, tem seu "ponto de virada" no ato de adormecer. Sem falar, é claro, de um psicólogo como porta voz e nada além de um bando de ex-hippies e restolhos da New Age para lhe oferecer a mínima resistência, temendo e esperando (como nós aqui no Brasil) pelo inevitável momento em que um rosto outrora amigo nos apontará o dedo na multidão e emitirá aquele longo e aflitivo grunhido gutural.
de Abel Ferrara
com Gabrielle Anwar, Meg Tilly, Terry Kinney, Reilly Murphy, Billy Wirth, Christine Elise, R. Lee Ermey, Kathleen Doyle, Forest Whitaker
Abel Ferrara é um cara esperto. Um cineasta autoral que sabe muito bem que não se aperfeiçoa aquilo que já é perfeito. Talvez por isso a sua versão de The Body Snatchers de 1993, ainda que tecnicamente seja vendida como uma nova adaptação do romance de Jack Finney, tem muito mais a cara de uma continuação, ou mesmo um derivado da versão de Philip Kaufman de 1978, inclusive parecendo pressupor uma audiência que já saiba muito bem o que está rolando (ou o que vai rolar) e não precise de maiores explicações pra cair de cabeça na ação. A própria distribuidora deve ter se ligado disso ou não teria lançado o filme por aqui como Os Invasores de Corpos: A Invasão Continua. Dito isso, é tranquilo afirmar que Ferrara não passa nem perto do impacto do filme anterior, mas ao menos fica livre pra brincar com certas minúcias e esquisitices dentro desse universo, indo muito mais fundo nos aspectos de body horror (e exploitation horror) implícitos na premissa, quase ao ponto do fetiche (Gabrielle Anwar rolando na banheira com sua clone, oh my God!🤭), e não tendo a menor vergonha na cara de apelar para o deboche na hora de explicitar as suas críticas políticas (afinal, o que diferenciaria um militar de um pod people? É tudo igual!😅). Ainda assim, há momentos de horror visceral genuínos, que nos tomam de assalto e praticamente obliteram os eventuais furos e inconsistências, como na inesquecível sequencia em que Meg Tilly faz o seu tenebroso discurso, talvez o único ponto em que Ferrara consegue de fato atingir aquela ressonância arrebatadora da versão de Kaufman: "Ir aonde, Steve? Para onde vai correr? Aonde vai se esconder? Lugar nenhum. Porque ninguém como você restou!". E, com isso, me dou ao luxo de fechar essa breve revisão desses clássicos do horror político americano com uma nota alta e bem distante daquele anticomunismo bocó dos anos 50. Afinal, quanto menos falarmos da péssima (e reacionária) versão de 2007 melhor, né?😉
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