terça-feira, 10 de setembro de 2019

Inverossímil como a Vida...


Uma vez vi uma entrevista com o diretor japonês Takashi Miike em que ele dizia que ficava meio aborrecido com filmes "perfeitos".

Ele gostava de ver as arestas, a cola aparecendo, o rebite, a surpresa e o sublime da imagem inesperada, torta, injustificável, incoerente, tão inverossímil quanto a vida.

É um tipo de comentário que não é tão incomum de ouvir entre artistas plásticos ou mesmo galera de teatro, mas é bem mais raro entre cineastas. O cinema, como arte de massa, criou muitos pressupostos de como um filme deve ou não deve ser, muitas certezas do que é defeito e do que é qualidade, a ponto de imagens inesperadas na obra de diretores com visões extremamente pessoais serem muito facilmente tomadas como meros defeitos, tanto por espectadores quanto por críticos.

Mantras como "antes de mais nada cinema é uma forma de contar histórias", "um roteiro tem que ser verossímil e sem furos", "os atores precisam nos fazer acreditar que são os personagens" ou "não adianta estética se não tiver conteúdo" simplesmente não se aplicam a todo e qualquer tipo de abordagem cinematográfica, especialmente no universo do fantástico. Ainda assim, acabam se tornando parâmetros universais que afastam o público do inusitado ao invés de facilitar novas formas de sedução.

E se há um cineasta capaz de ajudar cinéfilos a superar essas "certezas" é o baixinho italiano Lucio Fulci. Não é o único, claro, mas talvez seja o mais contundente no registro do horror e da fantasia. Sua lendária Trilogia Gates of Hell ou Trilogia do Inferno (Pavor na Cidade dos Zumbis, Terror nas Trevas e A Casa do Cemitério) é um verdadeiro tratamento de choque nesse sentido. A "lógica" fulciana seria: "o fantástico liberta a imagem cinematográfica de todos os seus pressupostos".

Em outras palavras, o que pode acontecer num lugar construído sobre um portal para o inferno?

Ora, QUALQUER COISA que o cineasta precisar para obter as imagens absurdas, belas e impactantes que realmente lhe interessam, sem ter que perder tempo com "justificativas" que, afinal, cada espectador (com sua bagagem de narrativas de horror convencionais) pode construir por sua própria conta se achar que realmente precisa.

Ou até se dar conta... que não precisa. 😉




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