"E ele empilhou na corcova da baleia branca o acúmulo de toda a raiva e ódio que sua raça sentia. Se seu peito fosse um canhão, nela teria disparado seu coração."
O que posso dizer? Moby Dick de John Huston é simplesmente um dos filmes da minha vida. Lembro-me de assisti-lo num velho VHS da Warner, super mal legendado, e ficar pasmo diante da imponência da baleia branca nos momentos finais. Na época, eu havia preparado o espírito para uma baleia tosca, afinal era uma produção de 1956 e eu era um moleque bobo e preconceituoso. Meu queixo caiu, assim como os de muita gente a quem já apresentei o filme nos anos que se seguiram.
Evidente que o roteiro toma muitas liberdades em relação ao romance de Herman Melville, elimina personagens, condensa longas passagens, mas isso seria inevitável, afinal não estamos falando de um livro qualquer, mas de um dos maiores clássicos da história da literatura.
Ainda assim, eu diria que Ray Bradbury conseguiu concentrar tudo o que havia de essencial, preservando a ambiguidade e as ressonâncias muito mais complexas do que uma simples história sobre um capitão obcecado em matar o animal que o aleijou. Essa é a leitura primária, claro, mas limitada. Moby Dick e Ahab representam forças por demais titânicas para serem assim reduzidas impunemente. Como nos dizia Jorge Luis Borges, em seu lendário prefácio, "Moby Dick é um livro infinito que, página a página, engrandece até usurpar o tamanho do cosmos" e se a versão de Huston não alcança essa envergadura, ao menos a evoca.
Houve outras adaptações, algumas até mais "fiéis", no sentido de reprodução do enredo, mas que jamais conseguem atingir a intensidade que Huston sustenta a cada minuto da projeção, obtendo muito mais com um simples close na face pétrea de Queequeg (Friedrich Ledebur), um sermão do Padre Marble (Orson Welles) ou alguns poucos e cortantes diálogos entre Ahab (Gregory Peck) e Starbuck (Leo Genn), do que toda a minissérie de 1998 com horas e horas de detalhes sem sutileza e interpretações e direção equivocadas.
E nenhuma baleia de CGI jamais chegará perto da majestade da baleia mecânica tornada viva pela magia da montagem. Isso, meus caros, é cinema.😉
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