segunda-feira, 20 de abril de 2020

Em Busca da Graça Perdida...

É bem provável que O Almanaque do Novo Viajante seja o segmento menos lido de toda a série A Liga dos Cavalheiros Extraordinários de Alan Moore e Kevin O'Neill, o que é até compreensível diante das quase 50 páginas de três colunas de texto em letra bem miúda, mas se me for permitida a sugestão, eu diria que quem por acaso deixou passar esse dito "apêndice" do Vol.2 de 1998, talvez devesse lhe dar uma nova chance nesses tristes tempos de pandemia e quarentena.

Como o título sugere, o Almanaque do Novo Viajante é, de fato, um guia de viagem, um guia turístico bem ao estilo old school, mas os lugares que ele descreve e as rotas que sugere são do tipo que nenhum confinamento ou isolamento social poderiam nos privar. Lugares como Shangri-La, Arkham, Sleepy Hollow, Udolpho, Atlântida, Wonderland, Kôr, Lilliput e até Macondo e Twin Peaks, seguindo as trilhas de lendários desbravadores como Marco Polo, Allan Quatermain, Sinbad, Orlando, Capitão Nemo ou mesmo Fanny Hill e Mina Murray em suas versões quadrinisticas. Destinos de viagem acessíveis apenas pela mente e a imaginação e, por isso mesmo, mais reais e perenes do que quaisquer localidades alcançáveis por carros, navios ou aviões.

Bem humorado e com uma quantidade absurda de referências das mais famosas às mais obscuras (dependendo da bagagem cultural de quem lê), o Almanaque foi o primeiro passo na extrapolação da Liga Extraordinária de uma mera reunião de personagens clássicos da literatura britânica do século XIX, para uma vasta e ambiciosa meta-ficção abarcando praticamente toda a ficção fantástica universal, o que já seria arrebatador por si só, mas no nosso contexto atual parece atingir uma reverberação ainda mais profunda.

Um tipo de realização que a escritora Aline Valek certa vez tentou captar num texto que considero como um legítimo clássico da literatura internáutica: "Um cara muito famoso uma vez disse que a ficção existe para que a realidade não nos destrua. Algo mais ou menos assim. Não que a realidade não nos sirva; ela apenas não tem graça."

Assim zarpemos com o Almanaque a tiracolo (talvez no "dente de leão" de Carl Sagan, se sua imaginação precisar de veículo), em busca dessa graça perdida.



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