quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

A Tumba de Hannah...


Uma das diversões de se garimpar o horror europeu dos anos 60 e 70 é que, em meio ao despojamento e irreverência (ou, se preferir, a cara de pau) típicos do mercado dos exploitation films, as vezes a gente topa com umas surpresas que dificilmente rolariam num cinemão mainstream.

Tipo se dar conta que, ainda que não conste nos créditos, nem no IMDb, o gótico espanhol de 1973, La Tumba de la Isla Maldita, é claramente uma adaptação de um dos grandes clássicos da literatura vampírica, A Tumba de Sarah (1910) de F.G. Loring.

E bastante fiel ainda por cima! Ao menos nos aspectos essenciais: a tumba violada, a vampira secular que volta à vida e vaga pela noite na forma de lobo, a tradicional formação de um pequeno grupo de destemidos matadores de vampiros dispostos a enfrentar a ameaça.

O filme realoca a ambientação da igreja em reforma na Inglaterra para uma ilha de pescadores no Mediterrâneo e adiciona alguns tons de cinza na caracterização do trio central de personagens formado pelo cético arqueólogo de Andrew Prine, a crédula professora vivida por Patty Shepard e seu desvairado (e incestuoso) irmão, Mark Damon, secretamente um adorador fanático da revivida Hannah, Queen of the Vampires (um dos vários títulos alternativos, como Crypt of the Living DeadYoung Hannah, Queen of the Vampires ou Vampire Woman).

As mudanças, em geral, são positivas. O conto, publicado no Brasil na célebre coletânea Contos Clássicos de Vampiro da Editora Hedra, é de fato um dos mais diretos e ortodoxos do gênero, com aquele tipo de protagonista hiper-religioso e maniqueísta que acaba tornando a leitura um tanto indigesta nos dias de hoje, ainda mais no contexto político atual.

Evidente que "problematizar" não era o foco de Julio Salvador, mas sem dúvida sua abordagem dá uma arejada na história, contrapondo a ameaçadora atmosfera de isolamento de uma ilha assombrada por uma terrível mulher-lobo sedenta de sangue com inesperados momentos de empatia para com a etérea e silenciosa Hannah de Teresa Gimpera. Em especial no desfecho, que nos lembra de forma particularmente contundente (e angustiante) quão frágeis as criaturas sobrenaturais que tanto tememos realmente são... e quão tênue é o limiar que nos separa delas.

E aproveitando o ensejo:

Entre as raras "trivias" sobre Patty Shepard disponíveis na rede, consta que a sinistramente deslumbrante atriz americana radicada na Espanha chegou a ser cotada como uma possível substituta para a diva Barbara Steele como Rainha do Cinema de Horror Europeu (ainda que por um breve momento, no comecinho dos anos 70), graças à sua antológica performance como a Condessa Vampira Wandesa Dárvula de Nadasdy do cult movie hispânico La Noche de Walpurgis (1971) de León Klimovsky.

A informação tem cara de apócrifa, mas não deixa de soar como um auspicioso "e se?". Sim... acredito mesmo que ela poderia ter sido uma candidata digna ao trono... se ao menos tivesse tido mais (e melhores) oportunidades... e, a julgar pela carinha da Barbara Capell no trechinho abaixo, imagino que ela concordaria comigo. 😉🖤



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