"Quem é a criança bonitinha, de carinha triste, que ficou a noite inteira me espiando dali do armário?"
Quando se pensa em Charles Dickens, Natal e histórias de fantasmas automaticamente somos remetidos ao clássico Um Conto de Natal, de 1843, e nem teria como ser diferente. Essa sempre será a mais famosa das Ghost Stories for Christmas, a mais lida, mais adaptada e, acima de tudo, mais querida, e tá tudo certo.
Mas convém não esquecer que TODOS os contos de fantasma de Dickens são, de certo modo, histórias de Natal, não só por terem sido originalmente publicados nessa época ou terem feito parte das inúmeras performances teatrais natalinas do autor, mas pela forma como evocam uma espécie de imagem arquetípica do Natal profundamente enraizada no inconsciente coletivo, algo no limiar entre a tradição cristã ocidental e as névoas míticas dos antigos cultos pagãos, a Velha Religião que o cristianismo tão espertamente assimilou ao seu próprio sistema hegemônico de crença. Histórias que nos remetem ao frio e a neve mesmo no calor sufocante dos trópicos, pois se referem acima de tudo ao "inverno da alma", à melancolia e à memória. Por mais que a subjetividade capitalista teime e insista, no fundo todos sabemos (uns mais que outros) que o Natal nunca foi um tempo de alegria, mas de tristeza, uma tristeza profunda e redentora. É quando os fantasmas vêm nos visitar.
E por mais que a fábula moral do avarento Scrooge seja imbatível, tenho pra mim que a bem menos conhecida Christmas Ghosts, de 1850, é mais potente em adensar esse caráter de reminiscência do Natal. Parte short story, parte ensaio, Fantasmas de Natal não é, na verdade, uma única história, mas uma sequencia de "causos", claramente escrita para ser lida em voz alta. Dickens chega até a ceder seu papel de narrador à plateia, nos convidando a compor com ele situações e ambientações que nos soam tão familiares quanto inesgotáveis, emendando um causo no outro com sua habitual eloquência e elegância. E a cada história, cada fantasma revelado, nosso coração aperta um bocadinho mais, até o golpe de misericórdia com o menininho de cara triste espiando pela porta do armário. O verdadeiro espírito do Natal...🥀
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