domingo, 17 de julho de 2022

(Re)Lendo: O Caixão da Mulher Vampiro, de Bram Stoker


Não é absurdo afirmar que se Bram Stoker nunca tivesse escrito Drácula nenhuma outra de suas novelas góticas teria sobrevivido para chegar até nossas mãos. O mais provável é que caíssem na obscuridade como tantos outros títulos e autores do período, talvez até merecidamente. São obras... estranhas, pra dizer o mínimo, que sempre me passam a sensação de estar lendo esboços ou versões preliminares que, de algum modo, acabaram sendo publicadas sem maiores revisões, o que não significa que não sejam fascinantes ao seu modo torto e imperfeito, ainda mais pra mim, que amo esquisitices.🤗

The Lady of the Shroud, de 1909 (publicado no Brasil apenas uma vez, em 89, pela saudosa Coleção Drácula da Ediouro, infelizmente nunca digitalizada😔), testa nossa paciência com um primeiro capítulo que parece interminável, no qual Stoker acha por bem deslindar TODA a árvore genealógica do seu protagonista e as minúcias legais do recebimento de uma herança que, no fim, não terão a menor relevância para a narrativa que virá a seguir (é sério, leiam e prólogo e pulem direto pro capítulo 2🧐) e depois testa nossa boa vontade com um plot twist que já era manjado nos tempos de Ann Radcliffe, fazendo de todo o capítulo final um tedioso exercício de rotina.

Porém, contudo, entretanto, todavia... tudo o que rola entre o primeiro e o último capítulo é simplesmente deslumbrante!🖤 Uma deliciosa fantasia gótica (ou, talvez mais acuradamente, conto de fadas gótico), cheia de clima, atmosfera e romantismo mórbido que, apesar de não trazer nenhuma grande novidade, consegue apertar todos os botões certos para embevecer qualquer amante de literatura gótica que se preze. A "Dama da Mortalha" (título bem melhor que o apelativo e, na real, inacurado O Caixão da Mulher Vampiro) é uma imagem forte o bastante para permanecer conosco independente do plot twist e, se parar pra pensar, talvez até com mais impacto, levando em conta o quanto ele resignifica o contexto da dama gótica em cenários como a cripta sob a igreja ou as aparições na estação das chuvas. Não poderia ser mais melancólico... ou mais gótico.🥀

Aproveitando o Ensejo:

“(...) Bram Stoker tropeçou numa história de vampiro anônima ambientada na Transilvânia, que ajudou a redirecionar o cenário do romance para a Europa oriental. Assim como Drácula, The Mysterious Stranger (1854) apresenta um vampiro aristocrático de meia idade, com pele pálida e “penetrantes” olhos cinza, que vive num castelo nos Cárpatos infestado por lobos. O próprio anonimato do conto deve ter parecido um convite ao "empréstimo" e Stoker prontamente o fez. As origens exatas da história iludiram os pesquisadores por décadas, mas hoje sabemos que é uma tradução não autorizada de 
"Der Fremde" de Karl Von Wachsmann, publicada pela primeira vez em sua coletânea "Erzählungen und Novellen" (1844).

Ao modelar tão de perto a parte inicial de Dracula numa tradução anônima e pirateada de uma história alemã, Stoker deu nova vida textual para uma obra cujos laços de autoria original haviam sido cortados. Este exemplo demonstra que o consumo parasitário de cultura de massa no século XIX - um espelho do apetite insaciável do próprio vampiro - dependia em parte das práticas de tradução. A reprodução não autorizada de Stoker acabou tornando-o cúmplice da supressão nos registros de um escritor alemão que pode ser considerado responsável por muitos detalhes do personagem Drácula, desde os modos "repulsivos" mas magnéticos do vampiro até o poder de comandar matilhas de lobos com um gesto de sua mão.(...)"

Katy Brundan, Melanie Jones & Benjamin Mier Cruz in Dracula or Draculitz? - Translation Forgery and Bram Stoker’s ‘Lost Version’ of Dracula (Victorian Review, Vol 45, No.2, 2019, p293-306)

Em tempo, nem todo mundo concorda com esse argumento. Tyler Tichelaar, autor de The Gothic Wanderer, por exemplo, não acha que as semelhanças sejam suficientes para sustentar qualquer afirmação. Mas, sinceramente, a mim parece um tanto difícil ler O Estranho Misterioso sem, no mínimo, levantar uma sobrancelha.🤨 Cá entre nós, acho que até Hamilton Deane andou dando uma lidinha enquanto adaptava o romance para o teatro em 1924.😜

A noveleta pode ser encontrada na célebre (e obrigatória) coletânea Contos de Vampiros, da Pocket Ouro, ou no fanbook Contos Fantásticos Vol.10.😉


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