segunda-feira, 8 de agosto de 2022

(Re)Assistindo: Alguns Filmes de Horror de Ingmar Bergman

Persona (1966)
com Bibi Andersson, Liv Ullmann, Margaretha Krook, Gunnar Björnstrand, Jörgen Lindström

Você está lá, tendo um sonho. E nesse sonho algo muito assustador acontece. Você acorda suando frio, talvez gritando, e a pessoa dormindo ao seu lado acorda e pergunta: "O que foi? Que aconteceu?!" Aí você conta o sonho, descreve da melhor forma possível a imagem, som ou situação que te abalou tanto a ponto de te deixar naquele estado. A pessoa fica te olhando, perplexa, até que pergunta: "Mas... por que isso te deu medo?" E é aí que você se dá conta... de que não sabe porque aquilo te deu medo. Tudo o que sabe é que no sonho... dava!

Era assim que eu costumava (tentar) explicar David Lynch pra quem nunca assistiu David Lynch. "Meu, aí aquele anão vestido de vermelho começou a dançar, era tão medonho, nunca tive tanto medo na vida!" e a pessoa fica te olhando sem entender nada. Por que diabos um anão dançarino daria medo em alguém? Mas não adianta, você não consegue explicar porque. Só sabe que na hora em que está assistindo... aquilo dá, sim, muito medo!

O mesmo vale para esse cinema fantástico que Bergman começou a desenvolver a partir do final dos anos 50, seguindo por toda a década de 60 (e que Lynch, obviamente, adorava). Chame-os como quiser: horror surrealista, horror art house, psicológico, avant garde, modernista ou, se preferir, nem precisa chama-los de "horror", se seu entendimento das possibilidades do gênero ainda for um tanto limitado, não importa. O que importa é que não adianta tentar explicar. Você tem que ver (e rever😉). E aí, quando sentir o sangue gelar no instante em que, do nada, Liv Ullmann sussurra (ou não) suas primeiras palavras ou quando se der conta de que depois de ouvi-la repetir "ingenting" você não consegue parar de chorar, aí talvez se dê conta de que nenhuma explicação, afinal, jamais foi necessária.🥀
com Max Von Sydow, Gunnar Björnstrand, Bengt Ekerot, Nils Poppe, Inga Gill, Maud Hansson, Inga Landgré, Gunnel Lindblom, Bertil Anderberg, Anders Ek, Åke Fridell, Gunnar Olsson, Erik Strandmark, Bibi Andersson

Acho que a última coisa que as pessoas esperam quando vão assistir O Sétimo Selo pela primeira vez é descobrir o quão engraçado o filme realmente é! Eu mesmo fiquei desorientado!🤯 A cena em que a Morte derruba o cara da árvore com aquele serrote enorme, igualzinho o coiote do Pápa-Léguas, está no meu top 10 de momentos mais WTF de toda a minha trajetória de cinéfilo (só um pouquinho abaixo do zumbi mordendo o tubarão em Zombie🤭).

É claro que, nem é preciso dizer, momentos WTF como esse são os maiores presentes que um cineasta pode nos oferecer. Foi desse ponto em diante que me dei conta de que se não jogasse fora rapidinho toda e qualquer ideia pré-concebida que eu ainda pudesse ter sobre a obra-prima medieval do Sr. Bergman não haveria a menor esperança de sequer tentar alcançar o que quer que estivesse acontecendo ali, naquela tela. Ainda estou tentando, na verdade.🤔 Um dos maiores mistérios pra mim, até hoje, continua sendo como um filme pode ser tão emocionalmente brutal e desolador e, ao mesmo tempo, tão bem humorado, suave, acolhedor e, de certo modo, até esperançoso.🥀

Pois é, clássicos são assim, não estão nem aí se você os alcança ou não. Esse é um problema só seu para resolver. Ou não.😅


Ansiktet AKA The Magician AKA The Face (1958)
com Max von Sydow, Ingrid Thulin, Gunnar Björnstrand, Naima Wifstrand, Bengt Ekerot, Bibi Andersson, Birgitta Pettersson, Gertrud Fridh, Lars Ekborg, Toivo Pawlo, Erland Josephson, Åke Fridell, Ulla Sjöblom

Hoje em dia talvez já nem seja mais tão incomum associar Bergman ao gênero do horror, mas ainda me parece relativamente raro que O Rosto seja mencionado nessa conversa. Talvez porque, tecnicamente, não seja mesmo um filme de horror, ao menos não como A Hora do Lobo ou mesmo O Sétimo Selo, mas duvido que haja imagens mais deslumbrantemente góticas em toda a sua obra.🖤

Talvez até um tanto icônicas demais, com direito a relâmpagos que cortam o céu a noite, carruagens atravessando florestas com fama de assombradas, figurinos byronianos e até um ou dois cadáveres que acabam voltando à vida. As vezes parece quase um inventário irônico dos principais clichês do horror gótico e pode ser até que a intenção tenha sido essa mesmo (o IMDb, afinal, classifica o filme como "comédia"😳) mas tendo a achar que não deve ser tão simples assim... com Bergman nunca é.

De qualquer modo, uma estética desse tipo dificilmente cansaria qualquer fã do gênero que se preze. Max von Sydon está absolutamente mefistofélico como o mágico itinerante em suposta comunhão com as forças das trevas, Ingrid Thulin faria inveja a Marlene Dietrich com sua caracterização deliciosamente andrógena e cada enquadramento parece uma gravura de um velho tomo de histórias de fantasmas medieval ou contos de fadas do século XIX (em suas versões originais, é claro). Precisa mais? Bom, precisar não precisa... mas é Bergman, então há! Sempre há...😉
com Max von Sydow, Birgitta Valberg, Gunnel Lindblom, Birgitta Pettersson, Axel Düberg, Tor Isedal, Allan Edwall, Ove Porath, Axel Slangus, Gudrun Brost, Oscar Ljung

Nunca tive coragem de assistir ao "remake" de Wes Craven de 1972.

Minto: nunca tive vontade.

A Fonte da Donzela é um dos filmes mais angustiantes que já vi na vida... e isso com o cuidado e a delicadeza com que Bergman abordou o tema. Encarar uma versão hardcore dessa história nunca me pareceu o tipo de sessão que eu classificaria como "imperdível", mas pode ser preconceito da minha parte. Tenho uma amiga que adora me provocar dizendo que certos filmes precisam ser "enfrentados". Eu concordo... em relação ao filme do Bergman. Não tenho tanta certeza quanto ao de Craven. Tá certo que, a princípio, eu tendo a amar quase tudo do cinema de horror dos anos 70, mas sempre tive dificuldade em lidar com subgêneros como o rape and revenge (do qual A Fonte da Donzela definitivamente NÃO faz parte, ainda que muitos catalogadores teimem em cadastra-lo dessa forma retroativamente, talvez para agregar alguma dignidade ao subgênero, convenientemente esquecendo as diferenças entre texto e subtexto😒).

Enfim... talvez eu devesse ao menos tentar algum dia, não? Afinal, The Last House on the Left também ganhou seu próprio status de clássico (ou ao menos de cult) com o passar dos anos. E sou libriano, gente, a última coisa que iria querer é ser injusto!😄 Mas, sei lá... não vai ter Odin. Nem o conflito entre paganismo e cristianismo. Nem as questões de fé, ética, moralidade e culpa... a imponderabilidade do silêncio de Deus... Não vai ter Max von Sydon... Nem Birgitta Pettersson... Nem Gunnel Lindblom!!! E aí? O que sobra?🤔


Vargtimmen AKA Hour of the Wolf (1968)
com Max von Sydow, Liv Ullmann, Gertrud Fridh, Georg Rydeberg, Erland Josephson, Naima Wifstrand, Ulf Johansson, Gudrun Brost, Bertil Anderberg, Ingrid Thulin, Agda Helin

"Não é verdade que idosos que passaram a vida toda juntos começam a ficar parecidos? Que de tanto compartilhar as mesmas coisas não só começam a ter os mesmos pensamentos como seus rostos assumem a mesma expressão? Acha que é assim? Espero que fiquemos tão velhos a ponto de pensar os pensamentos um do outro e que nossos rostos se tornem idênticos, pequeninos, secos e enrugados. O que acharia disso?"

Já não é de hoje que eu digo e repito que A Hora do Lobo é, por si só, um dos filmes de horror mais assustadores dos anos 60 (e se tem alguma dúvida em relação à isso, dá uma passadinha nessa postagem aqui: Ingmar Bergman e o Horror que Ousa Dizer seu Nome), mas se torna ainda um tantinho mais perturbador quando você assiste ao documentário Liv and Ingmar, de 2012, e se dá conta do quanto o casal de protagonistas reflete (ou viria a refletir) o casamento na vida real entre Bergman e Liv Ullmann.😳

Com a diferença de que, no caso deles, o final foi um pouco mais feliz. Eles se divorciaram. E aí se amaram pelo resto da vida.🤗



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