sábado, 20 de agosto de 2022

A Mais Sincera Forma de Elogio...


Obras influentes geram imitações. Até aí normal. Mas tem casos em que a coisa parece ir um pouquinho além da conta...

Olhos Sem Rosto (1960), clássico indiscutível do cinema de horror francês, não gerou apenas uma ou duas imitações, mas praticamente todo um subgênero do exploitation europeu! Um monte de filmes (sério, a cada pesquisa parece que descubro mais um) com exatamente a mesma história: um médico que se torna serial killer para tentar reconstituir o rosto deformado da filha roubando os rostos de outras mulheres.

Rola umas variações pontuais, aqui e ali, tipo a esposa no lugar da filha ou sangue ao invés do rosto, coisas assim, mas fora isso, é sempre a mesma história, na cara dura! Já pouco mais de dois anos depois da estreia tivemos o primeiro Dr. Orloff, do Jesus Franco, e a partir daí a lista desembestou. Filmes como Corruption, de 1968 (com Peter Cushing!), The Blood Rose, de 1970, ou Faceless, de 1988 (Franco sozinho deve ter assinado um quarto dessa lista), são praticamente remakes do clássico de Franju. Se você incluir episódios de séries de TV então, vichi!😅

É curioso, né? Como se a ideia (originalmente cunhada no romance de Jean Redon) tivesse atingido algum tipo de nervo exposto no tecido sociocultural e simplesmente precisasse ser recontada de novo e de novo e de novo, independente de direitos autorais ou senso de ridículo. Há alguns outros casos semelhantes na história do cinema fantástico, como os filmes de museu de cera com estátuas vivas ou aristocratas que curtem uma caçada humana, temas que parecem se repetir numa sucessão desproporcional à uma mera exploração de uma ideia lucrativa.

Mas por que esses temas e não outros? Não sei, não arrisco palpitar... mas que tem alguma coisa aí tem! Talvez Pedro Almodóvar saiba explicar, afinal a lista dos "olhos sem rosto" culmina no seu genial (e claramente autoconsciente de seu papel de subversor dessa "tradição") A Pele que Habito de 2011. Não por acaso, nunca mais houve outro filme do "gênero" depois.😉


Aproveitando o ensejo...

O Moinho das Mulheres de Pedra é mais uma dentre as trocentas variações do clássico Os Crimes do Museu de Cera, de 1933, e uma particularmente cara de pau, que chega a "inventar" um autor para um suposto "conto original" no qual o roteiro teria sido baseado (é sério, tentem jogar Pieter Van Weigen e a coletânea Flemish Tales no google) e ainda incorpora diversos elementos de Olhos Sem Rosto como parte significativa de seu enredo, e isso no mesmo ano em que o filme de Franju foi lançado! (pois é, antes mesmo do Dr. Orloff, não disse que toda vez que que se pesquisa aparece mais um?😅).

Agora, isso significa que o filme não passa de uma imitação barata de dois clássicos muito melhores e não vale a pena perder seu tempo com ele? Hell, no!!! De jeito nenhum! Estamos falando de uma das obras mais deslumbrantes do cinema gótico italiano nos anos 60! O primeiro horror italiano filmado inteiramente em cores! E que cores!😍 Ainda mais no release director's cut, cuidadosamente restaurado para o lançamento em bluray. É de chorar de tão lindo! E não deixa de ser intrigante a forma como vai reconectando os pontos, por mais que o resultado possa ser considerada "derivativo" por um crítico mais ranheta. Acaba sendo um bom lembrete de que nenhum parâmetro de apreciação artística deve ser considerado como um critério absoluto, nem mesmo "originalidade". Sem contar que, como eu sempre digo, entrar no espírito da coisa é sempre muito mais divertido do que simplesmente se recusar a jogar.😏



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