É curioso que eu só tenha começado a assistir Space: 1999 justamente agora, no ano da pandemia.
Há tempos ouço falar dessa cultuada ficção científica de Gerry e Sylvia Anderson, mas acabava sempre deixando pra depois, afinal meu foco aqui é o horror gótico, não ficção científica vintage.
Mas aí o nobre Paulo Morgado chamou minha atenção para o fato de que uma co-produção Inglaterra/Itália, em plenos anos 70, com estrelas-convidadas do naipe de Christopher Lee , Peter Cushing, Catherine Schell, Joan Collins e outras figurinhas carimbadas do gótico britânico não poderia deixar de ter um pézinho no horror.
E, de fato, Martin Landau, Barbara Bain e Barry Morse tendem a ser "assombrados" por ameaças bem mais "sobrenaturais" do que Jornada nas Estrelas e seus derivados. Fantasmas, possessões, cemitérios espaciais, planetas cobertos de fog, naves abandonadas e decadentes flutuando pelo espaço como velhos castelos góticos, enfim, conflitos e mistérios de uma natureza um tanto mais metafísica, até espiritual, no limiar entre a fé e a ciência, quase sempre deixados sem resposta no fim do episódio.
Não é bem horror cósmico, está mais pra ficção científica gótica mesmo, tipo O Planeta dos Vampiros ou O Planeta Proibido, com um tom poético e contemplativo a la 2001 - Uma Odisseia no Espaço (apesar da abertura space opera deliciosamente cafona).
Mas o que me pegou de fato foi a premissa: um terrível desastre nuclear arrancou a lua de sua órbita e os 311 colonos da Base Lunar Alpha se veem repentinamente arremessados para os confins do cosmos. Isolados e sem ter como controlar a trajetória do ex-satélite, tudo o que os alphans podem fazer é lidar com as situações surreais que vão surgindo e torcer pra que a lua passe por um planeta habitável antes que o suporte de vida falhe de vez. Só uma coisa é certa: o mundo que conheciam ficou para trás.
Dessa convicção desoladora, mas de algum modo transcendente, Space: 1999 encontra um tipo singular de voz (por vezes sublime) que acabou se tornando um inesperado conforto nas minhas noites solitárias de quarentena, dividindo um vinho seco e amargo como a vida com o comandante John Koenig e o Prof. Victor Bergman, enquanto aguardamos a inexorável passagem do Sol Negro. Cheers. 🍷
Pra quem estiver afim de se aventurar na saga dos alphans, pode ser interessante saber que há uma certa polêmica em relação à ordem mais apropriada para se assistir aos episódios da primeira temporada. Muito parecido com o que também rola com outra série britânica clássica, O Prisioneiro de 1967, que tem nada mais nada menos que DEZ possíveis ordens de exibição.Esse tipo de coisa era bem comum nas séries antigas, tecnicamente compostas por episódios stand alone, passíveis de serem assistidos em qualquer ordem que a emissora inventasse de exibir. O problema é que esse paradigma eminentemente comercial/distributivo as vezes entrava em choque com premissas que simplesmente precisavam de um tantinho a mais de rigor cronológico para se desenvolver. Como, no caso, a dinâmica do dia a dia dos alphans se adaptando à sua nova situação e meio ambiente. Ainda que de forma um tanto sutil e an passant, há claramente um desenvolvimento entre o piloto Breakaway e o episódio originalmente escrito como season finale da temporada (mas que acabou ficando em penúltimo) The Testament of Arkadia, quase um fechamento de arco (e, quiça, de série), que é bastante prejudicado pela ordem caótica em que os episódios foram exibidos originalmente. Pra amenizar esse problema, lançamentos em DVD e Bluray tentaram reorganizar os episódios em ordem de produção, mas mesmo isso é meio confuso e insatisfatório porque nem sempre os roteiros eram filmados na ordem em que de fato foram escritos.Assim, como sou do tipo que se preocupa com esse tipo de coisa (e imagino que você também, ou nem estaria aqui lendo isso), fica registrado que a ordem que eu resolvi adotar para curtir Space: 1999 da melhor forma possível é a proposta por Andrew Kearley no site MoonBase Alpha Fandom. Há explicações detalhadas lá (em inglês) dos critérios que nortearam a organização da lista, mas basta dizer que pra mim fez bastante sentido acompanhar a série por ela, tanto em termos de cronologia quanto do desenvolvimento de um crescendo que culmina de uma forma sublime em The Testament of Arkadia, pra mim o melhor "final" que a série poderia ter tido, dadas as circunstâncias na época.P.S. Tudo isso se refere apenas à primeira temporada, ok? Não só em relação à ordem dos episódios (na segunda temporada tanto faz) mas TUDO o que escrevi sobre a série no post inteiro. A segunda temporada, pra todos os efeitos, é OUTRA série... mas essa é uma outra história.😜
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