quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

E ainda estamos aqui...


É até estranho rever A Casa do Terror (1974) em tempos de Pânico (2022).

Já na época do Pânico (1996) eu me espantava com os paralelos conceituais entre a obra de Wes Craven e o estranho encerramento da fase serial killer de Vincent Price na Inglaterra, mas agora que a tendência auto-referencial da nossa hipertrofiada cultura da nostalgia já parece ter chego ao ponto de se voltar sobre si mesma, o modesto e aparentemente despretensioso filminho de Jim Clark se torna ainda mais fascinante e, de certo modo, quase profético.

Hoje em dia, que praticamente todo produto pop é sobrecarregado de citações autoconscientes, metalinguagem e fanservice, talvez nem pareça assim tão especial, mas nos anos 70 era um animal estranho que, não por acaso, nunca foi lá muito bem visto pela crítica. O uso de cenas dos clássicos do Ciclo Poe de Price como supostos filmes do Dr. Death (com direito a créditos de "participação especial" aos falecidos Boris Karloff e Basil Rathbone) tendia a ser visto mais como oportunismo do que homenagem e os bizarros paralelos entre o roteiro e a situação real atrás das câmeras chega a ser quase inacreditável! Reparem na cara de nojo do tio Price diante de Robert Quarry, que a AIP cotava como seu possível "substituto". Atuação?!🤔

De fato, vê-lo estrelar um filme sobre um envelhecido e decadente astro de horror sendo obrigado a retornar ao papel que o consagrou talvez seja o aspecto mais perturbador da coisa toda. Não há dúvida de que é um filme nostálgico, mas o sentido da palavra era bem diferente do que entendemos hoje. Madhouse é um filme crepuscular, uma espécie de Crepúsculo dos Deuses do horror gótico, fazendo a transição para as abordagens mais explícitas e violentas do horror setentista e do slasher que logo eclipsariam figuras como Price e Peter Cushing.

Nesse sentido, a célebre entrevista de bastidores com os dois parceiros é um complemento pra lá de precioso, pleno de melancolia e reminiscências. Afinal, o que é nostalgia, senão uma forma de lidar com o fato de que seu tempo já passou? De que o fim JÁ veio, mas ainda estamos aqui, imaginando o que isso teria a nos dizer sobre a nossa atual cultura pop...

...ao menos até o trailer de Pânico 6 cair na rede.😒


Aproveitando o ensejo...

Tudo bem que o enredo imita Dr. Phibes, mas convenhamos: dar cabo de críticos usando Shakespeare faz muito mais sentido do que matar médicos com pragas do Egito, não é?😅 Sem contar que a ideia em si é simplesmente adorável!🖤 Se "sempre há um bom motivo para matar seu namorado ou namorada", como se dizia em Pânico, o que dizer de críticos de cinema e teatro?! (Ei, não me olhem assim, nem falo mal de nada!😜)

Enfim, é fácil de entender porque tanto Price quando Diana Rigg costumavam afirmar que Theater of Blood (1973) foi o trabalho favorito de suas carreiras (diria até que não só pela premissa, mas por provavelmente ser um dos slasher mais queer da história do cinema, ao menos para entendidos😉), mas não deixa de ser uma obra esquisita, sob inúmeros aspectos. Por mais que o desenvolvimento seja tão debochado quanto o plot dá a entender, o nível de violência explícita chega a ser quase aflitivo, com o diabólico Edward Lionheart esmerando-se em identificar os elementos mais grotescos das peças de William Shakespeare para dar o fim mais requintadamente cruel possível a cada um dos infelizes críticos que já ousaram falar mal de suas performances.

Diferente da série Phibes, as filmagens foram inteiramente realizadas em locações pelas ruas e prédios históricos de Londres, o que dá uma pegada estranhamente realista pra toda essa maluquice, um tom desglamourizado e sujo que quase parece duelar com o senso de humor cartunesco. Se isso é proposital ou fruto de orçamento e circunstâncias é difícil dizer, mas o resultado é fascinante. Você vai rir, não tenha dúvida, talvez até gargalhar, mas não se surpreenda se terminar a sessão com uma certa angústia. Escrachado ou não, o senso de humor de As 7 Máscaras da Morte (caso raro de título brasileiro muito melhor que o original) é amargo como fel, como aliás quase tudo o que diz respeito aos bastidores dessa estranha fase serial killer do tio Price na Inglaterra.

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