terça-feira, 27 de dezembro de 2022

(Re)Assistindo: Três Weird Westerns de Três Décadas Diferentes

Curse of the Undead (1959)
com Michael Pate, Eric Fleming, Kathleen Crowley, John Hoyt, Bruce Gordon, Helen Kleeb

De todos os subgêneros do horror e do fantástico, o weird western é um dos que mais me intriga. E não deveria, afinal pra todos os efeitos é só mais um horror "de época" (como 80% do horror gótico, diga-se de passagem). Mas acontece que o western não é bem uma "época", é? Como gênero talvez seja até mais codificado do que o horror, um universo alternativo em si mesmo, com suas próprias regras, mitologias e lógicas de funcionamento interno, não muito diferente de qualquer universo de fantasia concebido pela imaginação de um autor. Não é a toa que o vampiro de Michael Pate fala e age acima de tudo como um pistoleiro, a despeito da sede de sangue e necessidade de dormir na tumba da família. A mística do velho oeste se impõe e Sanha Diabólica é um filme exemplar (até no título nacional, que poderia muito bem ser o título de qualquer faroeste) para demonstrar essa dinâmica. Drake Robey é um morto-vivo, mas continua "ganhando a vida" como atirador contratado. Tem força sobre humana, mas prefere recorrer ao revólver. Sabe que não precisa se preocupar em ser baleado, mas insiste em manter a mítica de que vence os duelos por ser mais rápido no gatilho. As convenções do gótico estão todas lá, a vulnerabilidade à cruz, o cemitério à noite, a dama gótica que o vampiro deseja como noiva, mas a dramaturgia que costura tudo isso é, sem dúvida, do wild west. E mais especificamente do faroeste dos anos 50, onde o bandido já usaria roupa preta de qualquer modo. Mas o que realmente me intriga é que nada disso parece tornar o filme menos sinistro. Há um clima generalizado de estranheza, um tipo de descompasso que meio que atravessa tudo, tirando tanto a galera do horror quanto do western de seu eixo mais confortável. Um duelo, na real. O que talvez seja a chave para explicar a potência do weird west: os dois gêneros nunca se harmonizam. Eles duelam. E, independente de quem saca primeiro, a audiência só têm a ganhar (se, é claro, se permitir a jogar😉).
com Gregory Peck, Eva Marie Saint, Robert Forster, Nathaniel Narcisco

Não sei se é tecnicamente correto chamar A Noite da Emboscada de weird western. Não há elementos fantásticos, tampouco sobrenaturais e a trama em si até que se desenvolve de forma bem realista e pé no chão para um faroeste americano dos anos 60 ainda nada revisionista. Mas, cá entre nós, eu tenho certa dificuldade de imaginar algo mais weird do que um faroeste que segue a lógica de um slasher movie.😳 Sem brincadeira. Salvaje, o apache, já foi apontado por muita gente como um precursor de Michael Myers e a comparação não me parece de modo algum descabida. Nunca esqueço de meu pai comentando sobre o filme quando eu era criança. Ele nem lembrava o título, mas falava sempre do índio que aparecia quando menos se esperava e que "nunca dava pra ver a cara"! Isso não é bem verdade, dá pra ver o rosto de Nathaniel Narcisco em vários momentos, mas são flashes tão rápidos, em sequencias tão intensas, que a falsa memória é perfeitamente compreensível. De fato, o roteiro vai construindo a figura de Salvaje acima de tudo na imaginação da audiência, num crescente de referências oblíquas, insinuações sussurradas e aparições cuidadosamente rápidas e bem planejadas de modo a evocar uma ameaça maior do que a vida, uma força quase inumana e virtualmente invencível. E toda essa espiral acaba desembocando no cenário mais que familiar (para fãs de slashers, claro) da casa isolada no meio do nada, onde os protagonistas terão que se proteger do inimigo à espreita e, na maior parte do tempo, invisível. E aí? Dá pra chamar de proto-slasher? Agora, evidente que o conceito de um índio "maligno", sem rosto e sem voz, é no mínimo problemático, por mais que a trama também possa ser vista como a história de uma mulher tentando escapar de um marido abusivo, mas convenhamos que demonizar doentes mentais também nunca foi lá muito bonito da parte de um slasher típico.😏 Assim, como costumo dizer, que as devidas críticas sejam feitas com cautela e em sua medida justa, sem no entanto abrir mão de ao menos tentar conhecer essa estranha e quase esquecida joia do weird west dos anos 60.
com Charles Bronson, Will Sampson, Jack Warden, Kim Novak, John Carradine

Há uma cena em O Grande Búfalo Branco que duvido muito que a maioria repare, mas sempre me chama a atenção. Kim Novak, no arquetípico papel da "meretriz do coração de ouro", começa a se despir à beira da cama do Wild Bill Hickok de Charles Bronson e o lendário pistoleiro sussurra, quase como num lamento, "Não, Jenny, não tenho coragem pra isso". Poderia ser um momento cômico, mas o tom é de mais pura melancolia. Difícil pensar numa cena mais desempoderadora da figura do grande herói americano numa produção de baixo orçamento feita pra consumo popular, o que por si só já convida a um olhar mais atento para essa inusitada pérola do weird western setentista. Não dá pra negar que a gênese do projeto foi bem mercenária. Dino De Laurentiis só queria surfar na onda do eco-horror que se seguiu ao lançamento de Tubarão em 75. Mas, de alguma forma, essa estranha combinação de animal horrorwestern revisionista atinge um tipo de alquimia que talvez nunca pudesse ser obtida de forma mais propriamente intencional. É um filme bizarro, difícil de definir, ambientado numa espécie de wild west de sonho, onde personalidades históricas tais como Wild Bill e o grande chefe Crazy Horse podem vir a se encontrar e enfrentar juntos os seus demônios pessoais, materializados na forma do titânico búfalo branco da mitologia lakota. É certo que a simbologia parece um tanto confusa, mas J. Lee Thompson é sábio o bastante para evitar cair em explicações vulgares, deixando que a audiência viaje à vontade por todas as brechas e lacunas. E o que fica, acima de tudo, é a sensação de uma tragédia em suspenso. O crepúsculo (de uma vida, de um povo, de um gênero cinematográfico) ainda se aproxima e matar o búfalo branco não é nada além da preparação (e aceitação) desse fim. Um faroeste setentista por excelência, portanto. Que, a despeito de quaisquer limitações técnicas e orçamentárias, merece seu cantinho especial entre os cult movies mais representativos do período, ainda mais pra quem o conheceu na finada Sessão das Dez, quando a gente ainda mal imaginava o que as madrugadas malditas nos reservavam.


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