terça-feira, 30 de maio de 2023

Assistindo a Peça pela Coxia...


Cuadecuc Vampir é um filme difícil de explicar. Chama-lo de "making of" é pouco. A não ser que possamos falar de um making of avant garde, talvez.

Rodado inteiramente nos bastidores das filmagens do Conde Drácula de Jesus Franco, o filme de Pedro Portabella é um fascinante experimento cinematográfico, que pode até ser desconcertante pra quem cair de paraquedas sem ter noção do contexto.

Basicamente, o que vemos é uma versão muda e pocket do filme de Franco, porém fotografada num preto e branco hiper-granulado de alto contraste, complementado por uma trilha sonora experimental altamente impressionista, que vai reapresentando a maior parte das cenas-chave em ângulos alternativos bizarros e não exatamente funcionais, quase como se estivéssemos assistindo a uma peça de teatro pelas coxias.

Já fizeram isso? Você vê a peça do começo ao fim, mas numa posição na qual ela não foi projetada pra funcionar, o que lhe permite prestar atenção em detalhes e fazer associações que o público normal não poderia (e, supostamente, nem deveria), como ver claramente o projetor posicionado no canto da lareira enquanto Drácula faz seu icônico discurso.

Porém, é esse mesmo ângulo que nos permite vislumbrar como a luz por vezes parece envolver Christopher Lee num casulo fantasmagórico que, de alguma forma, intensifica o poder do vampiro diante de seu frágil convidado humano. Podemos ver Soledad Miranda deslizando mais uma vez pela noite enevoada, apenas para vê-la se voltar repentinamente para a câmera e sorrir com cara de moleca. O que não nos impede de sentir um gelo na espinha quando o conde a ataca, parecendo ainda mais tenebroso e ameaçador na fotografia supersaturada.

Portabella repete esse jogo cênico de inúmeras formas no decorrer dos 69 minutos, até desembocar num tipo de apoteose, quando Maria Rohm surge em cena a paisana, assistindo a preparação da sequencia em que as noivas serão executadas pelos destemidos caçadores de vampiro.

A essa altura, o limiar entre ficção e realidade já nos parece definitivamente borrado e tudo que resta é assistir, em transe, até que Lee tire a maquiagem e leia o final do livro para nós.

É aí que nos damos conta de que está na hora de despertar.



Um comentário:

  1. Obrigado por compartilhar essa relíquia. Jamais imaginaria que pudesse existir essa obra. O saúdo pelo seu excelente trabalho Pode velhor

    ResponderExcluir