terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Kolchak e os Demônios da Noite (1974)

A primeira vez que ouvi falar em Kolchak: The Night Stalker foi no livro Dança Macabra, que Stephen King publicou em 1980, e graças a isso evitei o seriado por muitos e muitos anos, afinal o "mestre do horror" em pessoa falou que era uma merda, não é? Pra que perder tempo? Ahh, os meus anos juvenis, dando meus primeiros passos como fã do gênero, acreditando cegamente em argumentos de autoridade...😏

Sendo justo, é claro que aprendi muita coisa nesse célebre tratado de King sobre o horror nas mídias de massa, tanto que continuo usando como referência até hoje, mas ao mesmo tempo não tem como abstrair trechos como aquele em que o "mestre" cita Planeta dos Vampiros, do Mario Bava, como um exemplo de "porcarias que só servem de parâmetro pra reconhecer os filmes bons" (quase joguei o livro na parede ao reler isso mais recentemente). Pois é... depois dessa, é claro que o velho Carl Kolchak merecia ao menos uma chance, não?


Óbvio que não se trata de nenhuma obra-prima, nem teria como ser, mas a série surpreende sim, e muito, mesmo dentro das limitações dos paradigmas em voga em 1974 (episódios stand-alone, orçamento barato, necessidade de repetir uma fórmula em todos os episódios, etc.), conseguindo se manter divertida e até ocasionalmente arrepiante na maior parte de sua única temporada (especialmente o episódio Horror In The Heights, cultuado como o melhor da série, escrito por Jimmy Sangster, roteirista habitual da Hammer Films).

É curioso que apesar da fama de trash, são surpreendentemente poucos os episódios que caem de fato no trash (lembrando aqui que uso o termo não no sentido de uma estética intencional, mas sim de algo tão ruim que acaba ficando divertido). Na maior parte do tempo a série contorna muito bem sua falta de recursos evitando depender de efeitos especiais, focando as tramas na investigação, na construção de mistérios e no charme turrão do protagonista. Quando chegava o momento de mostrar mesmo alguma coisa sobrenatural a tendência era optar por saídas discretas e rápidas, o que sem dúvida era uma estratégia sábia. Mesmo que o monstro fosse decepcionante (como é o caso até mesmo do já citado Horror In The Heights), é apenas uma aparição de poucos segundos contra 50 minutos de episódio, não é difícil relevar. Foi só lá pelo fim da temporada (quando, sem dúvida, o desespero do cancelamento começou a bater) que tranqueiras como o infame motoqueiro sem cabeça (primeiro roteiro da dupla Robert Zemeckis & Bob Gale, acredite se quiser!) e o cara com roupa de crocodilo começaram a dar as caras. Suspeito que, mesmo sendo poucos, esses episódios foram TÃO trash que acabaram queimando o filme da série inteira.

Mas, tirando isso, não é difícil perceber porque Kolchak acabou se tornando um precursor dos muito mais dignificados Arquivo X, Fringe, Supernatural etc. (aliás, é MUITO melhor que Supernatural, nem se compara😜). Darren McGavin é tão carismático que na maior parte do tempo sequer questionamos porque essas maluquices sobrenaturais acabavam sempre caindo no colo dele (afinal, ele é só um repórter normal, não um obcecado pelo oculto, como Fox Mulder, ou um caçador de monstros quase profissional, como os irmãos Winchesters) e prontamente relaxamos na poltrona para acompanhar sua ranhetice, suas brigas eternas com seu editor italiano Tony Vincenzo e o humor negro delicioso com que encarava cada caso macabro que aparecia. Infelizmente, a audiência da época não se conectou com a proposta e a série foi cancelada antes mesmo que alguns roteiros já escritos chegassem a entrar em produção.

Agora, se você for do tipo que não dá conta de abstrair as idiossincrasias dos seriados setentistas (humpf!😒) pode ao menos encarar sem medo (ou com medo, rss) os dois telefilmes de estreia do personagem que, pra todos os efeitos, servem como "pilotos" para a série propriamente dita: The Night Stalker, de 1972, e The Night Strangler, de 73. Esses sim exemplos impecáveis do que de melhor a televisão americana produziu em matéria de telefilmes de horror urbano e pé no chão nos anos 70. Não é a toa que, ao contrário do seriado, nem mesmo o "mestre" King se atreveu a falar mal desses dois. Afinal estamos falando de Dan Curtis na produção e Richard Matheson nos roteiros e quem manja dos paranauês sabe muito bem que isso não é pouca bosta. Até hoje não se sabe muito bem por que Curtis e Matheson não tiveram nenhum envolvimento com a série. Possivelmente rolou algum treta feia quando os planos para um terceiro longa foram deixados de lado em prol da produção de uma temporada completa. Sempre tive a impressão de que The Norliss Tapes, piloto rejeitado que Curtis dirigiu ainda em 1973, teria sido uma tentativa frustrada de criar um Kolchak alternativo para concorrer com o "oficial" (saiba mais sobre essa minha teoria aqui). De qualquer forma, independente dos acertos e erros e confusões de bastidores, Kolchak e os Demônios da Noite é uma parte importante da história do horror na mídia televisiva e merece ser conhecido, independente da consideração que o "mestre" estava disposto a lhe dar.

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