sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Stephenkingzando Henry James?


Então Mike Flanagan não só resolveu ousar fazer uma nova adaptação de A Volta do Parafuso como também resolveu tornar a obra-prima de Henry James um derivado de sua versão de A Assombração da Casa da Colina para a Netflix (seguindo o paradigma televisivo atual de dar preferência à manutenção de franquias ao invés de apostar em minisséries independentes).

Bem, não dá pra dizer que Flanagan não tenha base pra justificar essa autoconfiança, com um currículo repleto de obras muitíssimo acima da média da produção de horror americano atual. Mas dessa vez... sei não... Admito que o processo de "stephenkingzação" que ele aplicou ao clássico de Shirley Jackson de fato funcionou muito bem em 90% da minissérie (desde que não comparemos demais com o livro e esqueçamos a catastrófica covardia do último episódio), mas não consigo ver com bons olhos a perspectiva dessa mesma fórmula sendo aplicada justamente em The Turn of the Screw.

Sem contar o "pequeno" detalhe de que o livro JÁ TEM uma adaptação definitiva, o maravilhoso Os Inocentes, de 1961, um caso talvez único na história do cinema de tradução absolutamente perfeita da linguagem literária para o audiovisual, recriando toda a ambiguidade, sutileza e entrelinhas da escrita de James de modo a preservar toda a riqueza de possibilidades interpretativas que fizeram do livro um clássico da literatura gótica. Um resultado tão impecável que ofuscou completamente todas as tentativas posteriores de novas versões.

E, vamos convir: a série de Flanagan tem inúmeras qualidades, sem dúvida, mas sutileza e ambiguidade estão longe de ser parte delas. Não sei não... não sei mesmo. Botei muita fé em Flanagan depois de assistir aos seus primeiros filmes, especialmente Absentia (2011) que, até hoje, considero o melhor. Mas minha fé deu uma esmorecida conforme fui percebendo que ele parece cada vez mais confortável na posição de novo adaptador oficial de Stephen King, tanto de forma direta quanto indireta, o que parece estar comprometendo seu diferencial como autor. Para mexer em clássicos da envergadura de James (ou mesmo de Jackson) é preciso formas um pouco mais sofisticadas de ambição... Mas enfim... veremos, não é? 😉

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