terça-feira, 27 de maio de 2008

Drácula, a Sombra da Noite - Um Elo Perdido nos Quadrinhos de Vampiro no Brasil

Artigo originalmente publicado no site Universo HQ em 2007, revisado e atualizado em 2018.

Já foi dito que para estar na moda não é necessário ficar obsessivamente antenado às tendências dominantes, basta manter os seus gostos pessoais, interesses e convicções, que, em algum momento, a moda acabará por alcançá-lo. 😉

Drácula - A Sombra da Noite, de Ataíde Braz e Neide Harue, foi uma minissérie de cinco edições, publicada pela editora Nova Sampa, que recontava a imortal saga do príncipe dos vampiros sob um prisma romântico deliciosamente sensual e com desenhos com forte influência do estilo japonês. Note que estamos falando de dois pilares da cultura pop: vampirismo e mangá! Qualquer HQ combinando ambos deveria ter enormes chances de sucesso comercial, mesmo que fosse mal produzida e sem maiores ambições além do lucro fácil, o que não é nem de longe o caso aqui. Entretanto, no início da pesquisa para a versão original desse artigo, em meados de 2007, uma busca no Google não revelava mais do que uma dúzia de links, a maioria de sebos virtuais anunciando a edição encadernada publicada posteriormente. Mesmo hoje em dia (quando esse artigo foi revisado e atualizado) a série e seus autores continuam não sendo tão lembrados ou citados quanto outros materiais do mesmo período, seja por críticos, pesquisadores ou fãs nostálgicos. Virou uma espécie de nota de rodapé na história das HQs nacionais. Seu pecado: ter sido lançada em 1985, muito antes dos mangás entrarem na moda por aqui e justamente num dos mais acentuados períodos de crise do gênero vampírico na cultura pop em geral.

A capa que me atraiu numa pilha de gibis usados
a venda em algum momento do final dos anos 80.
Hoje parece inacreditável, mas o fato é que, em meados dos anos 80, ninguém estava dando muita trela para vampiros ou mangás por aqui. Nos cinemas os vampiros amargavam um prolongado período de baixa, os bons tempos da Hammer Films já estavam bem distantes e figuras como o bom e velho Drácula quase que só davam as caras como paródia ou ao menos com um boa dose de auto-ironia, como no sucesso de bilheteria daquele ano: A Hora do Espanto. A faceta mais séria, grandiloquente e teatral do velho conde havia ajudado a vender muito quadrinho no Brasil entre o final dos anos 70 e o começo dos 80 quando a Editora Bloch obteve os direitos de publicação de A Tumba de Drácula, da Marvel, mas em 1985 a maior parte das revistas do selo Capitão Mistério já estavam sendo canceladas e o Drácula estilo Marvel, que tinha se tornado padrão nas produções nacionais, já estava bem desgastado. Até meados de 87, 88 tudo isso já tinha sumido de vez das bancas.

Quanto ao mangá, só começaria a despertar algum interesse real por aqui dos anos 90 em diante, com a publicação do best-seller Akira e algumas tímidas tentativas de lançamento de cults como Lobo Solitário e Crying Freeman. Falar em "mangá nacional", algo que nas décadas seguintes se tornaria tão corriqueiro, soava quase absurdo naquele contexto, e nem era essa a intenção da desenhista Neide Harue, esposa de Ataíde Braz. As características orientais eram apenas parte de seu estilo pessoal, que chegou a ser criticado, na época, por ser semelhante demais ao mangá e não ter um caráter mais "brasileiro". Quem poderia prever que, pouco mais de uma década depois, Holy Avenger se tornaria um dos quadrinhos nacionais mais vendidos de todos os tempos.

O primeiro encontro do orgulhoso
Drácula com a ferina Mina Murray.
Polêmicas à parte, o importante é que, mesmo apresentando algumas fragilidades técnicas nos primeiros capítulos, o traço mais oriental de Harue imprimia um charme irresistível aos personagens e caracterizações e combinava perfeitamente com o romantismo assumido do texto. Vale ressaltar, inclusive, que se por um lado esse não foi exatamente o primeiro "mangá nacional", ao menos foi o primeiro quadrinho brasileiro inteiramente ilustrado por uma mulher. Um fato que com certeza precisa ser mais mencionado.

Mas se o visual japonês foi apenas incidental, o mesmo não se pode dizer da tentativa de reformulação do paradigma então vigente para histórias de vampiro empreendido por Ataíde Braz. Totalmente na contramão das tendências da época, o autor apresentou aos leitores (e editores) um vampiro com aparência jovem, bonito, elegante, de temperamento intempestivo e audacioso, que questionava a imortalidade e sofria com a solidão melancólica de séculos de uma existência vazia, ainda que orgulhoso de sua linhagem nobre e com energia suficiente para continuar sua busca por vitalidade e amor. Bem diferente (exceto talvez pelos gostos de vestuário) do Drácula a la Gene Colan que os quadrinhos da Bloch continuavam emulando mesmo depois da editora perder os direitos de publicação do material da Marvel. A influência mais direta de Braz aqui é certamente o remake da Universal de 1979, com Frank Langella no papel do conde e, talvez indiretamente, a versão de Jack Palance de 74 (que também influenciou A Tumba de Drácula), mas a completa transformação do "monstro" em "herói" no decorrer das cinco edições é muito mais clara e intencional do que no ambíguo filme de John Badham.

Seguindo mais de perto o livro original do
que a maioria das adaptações da época.
A trama da série segue a seqüência de eventos do romance original com até mais fidelidade do que boa parte das adaptações para quadrinhos ou cinema de então (na verdade, até Drácula de Bram Stoker, de 1992, o cinema era influenciado muito mais pela peça teatral de 1924 do que diretamente pelo romance), porém adaptando livremente detalhes, sentidos, pontos de vista e caracterizações, além de introduzir novos plots e novos personagens. O resultado, para todos os efeitos, é uma nova história, com identidade própria, na qual o terror moralista vitoriano de Stoker é substituído propositalmente pela aventura romântica, com um casal de protagonistas tão cativante quanto divertido. Momentos clássicos do livro, como o aprisionamento de Jonathan Harker no castelo da Transilvânia, a vampirização e morte de Lucy Westenra, a formação do grupo de destemidos caçadores de vampiros liderados pelo Prof. Van Helsing, a transformação de Mina Murray em noiva de Drácula, tudo isso marca presença na série, porém com um caráter bem diferente.

Mina Murray.
Aqui, Harker é um jovem ingênuo e moralista, cujo terror parece muito mais fruto de sua sexualidade reprimida do que de alguma ameaça real por parte do conde, que mais parece zombar da afetação do rapaz. Lucy é uma nova tentativa do vampiro de encontrar a reencarnação de sua falecida esposa Catherine (um subplot herdado diretamente da versão de John Badham, e indiretamente da peça teatral, que acabou se infiltrando até na versão supostamente "mais fiel ao livro" de Coppola). Van Helsing é um senhor gentil e de coração puro que, apesar de acreditar que Drácula precisa ser destruído, é permanentemente tomado por dúvidas quanto à moralidade de sua cruzada cristã. Os caçadores de vampiros ganham personalidades muito mais marcantes e bem definidas do que no livro, com destaque para um insuportável Lord Arthur Holmwood, que rouba a cena como o nobre pedante e covarde.

Mas é Mina Murray que detém o coração da HQ. Com seus cabelos curtos e atitudes pouco apropriadas para uma mulher de respeito no século XIX, a impulsiva e geniosa Mina de Braz e Harue encanta os leitores tanto quanto ao orgulhoso conde. A dinâmica do casal segue a tradição clássica de amor/ódio estilo …E o Vento Levou, com duelos verbais ferinos temperados com astutas provocações sensuais, culminando no tórrido desfecho da edição # 3 (um dos melhores momentos da série), em que a moça se entrega à paixão pelo conde e aceita seu destino como uma nova sombra da noite. Uma cena inteiramente diferente do estupro simbólico cometido no livro, quando Drácula obriga a moça a beber o sangue de uma ferida em seu peito.

Vampiros podem viver uns dos outros? Não numa
abordagem clássica, mas e numa romântica?
E aqui cabe uma pausa. Um leitor atento já deve ter percebido as semelhanças entre a HQ e a versão de Coppola, que também segue de perto a história do romance, mas modifica o sentido original das cenas, especialmente em momentos como o encontro vampírico/sexual de Drácula e Mina. No longa-metragem, ao invés de ser forçada a beber o sangue amaldiçoado, Winona Ryder suga voluptuosamente, e de bom grado, o peito de um relutante e extasiado Gary Oldman. De fato, existem ainda mais semelhanças entre as duas obras. Da segunda edição até o final da série, a trama principal alterna-se com flashbacks revelando o passado humano de Vladimir Drácula, suas origens guerreiro/aristocráticas, a guerra sangrenta contra os magiares, a paixão por sua primeira esposa Catherine e sua transformação em vampiro após a morte dela. Praticamente uma versão ampliada do prólogo da película que seria lançada em 1992 (ambas bastante influenciadas pelos descobertas mítico/históricas sobre a figura de Vlad, o Empalador, que também foi central para A Tumba de Drácula)

Não seria exagero afirmar que a série foi (ou ao menos tentou ser) precursora de um novo paradigma para o gênero. No decorrer das edições, Braz arrisca lançar mão de uma série de idéias que, posteriormente, se tornariam muito populares. Duas delas merecem ser destacadas aqui:

Vampiros de carne, osso e sangue,
sem sombra de dúvida.
1) Além de belos e atraentes, os vampiros têm uma existência física bastante concreta, diferente dos seres fantasmagóricos quase imateriais da literatura gótica clássica. Depois da inebriante noite de amor, Mina ouve o coração de Drácula batendo, evidenciando com a máxima clareza possível que o vampiro não é um cadáver ambulante ou um espectro, mas sim um imortal num corpo físico de carne e osso.

2) Há uma clara tentativa de desvincular o vampirismo da religião. Na série, Drácula não renunciou a Deus, não fez pacto com o demônio, nem mesmo foi o primeiro dos vampiros. O conde desconhece as origens da maldição, tudo o que sabe é que foi transformado pela traiçoeira Maria, uma misteriosa vampira estrábica (!) responsável por uma conspiração para tomar seu reinado e seu coração. Com a morte dela, Drácula teve que aprender sozinho os mistérios do vampirismo, acabando por atingir um nível de poder considerável com o passar dos séculos.

A misteriosa Maria.
Essas idéias, bem como a elevação dos vampiros ao papel de "protagonistas românticos" de suas próprias histórias, com os personagens humanos relegados à função coadjuvante, me parecem centrais no processo de "humanização" da figura do vampiro desenvolvida pela escritora Anne Rice na sua série de romances Crônicas Vampirescas, uma abordagem que se tornou a base da "cultura vampírica", que dominaria o gênero dos anos 90 em diante. Embora o romance original Entrevista com o Vampiro tenha sido lançado em 1976, foi somente a partir da publicação de Vampiro Lestat (1985) e Rainha dos Condenados (1988) que a popularidade dos livros começou a se espalhar para outras mídias e alcançar proporções de culto. Paralelamente, Coppola produzia sua "versão definitiva" de Drácula, logo seguida pela vitoriosa adaptação para as telas do próprio Entrevista com o Vampiro (dirigida por Neil Jordan em 1994) além do surgimento de um dos mais bem-sucedidos jogos de RPG da década de 1990, Vampiro - A Máscara (1991), cujo sistema de regras conseguia a proeza de unificar todas as subespécies vampíricas que a imaginação humana já concebeu num bizarro sistema de castas, permitindo ao jogador vivenciar um vasto universo underground, bem ao estilo dos romances de Rice. Em suma, de um gênero decadente do cinema de horror no começo dos anos 80, o vampirismo adentrou a década de 1990 como um "estilo de vida alternativo", uma subcultura urbana, movimentando uma indústria que abarcava filmes, livros, quadrinhos, RPGs, jogos eletrônicos, vestuário, casas noturnas e outros itens não tão facilmente imagináveis.

O início hiper gótico, antes do romantismo e
da abordagem de aventura romântica tomarem conta.
Contrariando os clichês de palestras de motivação empresarial, chegar com a inovação antes de todo mundo só fez com que a obra de Braz e Harue fosse deixada para trás pelas mais glamorosas crias de Lestat. No começo dos anos 80 não foi nada fácil convencer alguma editora a publicar a série. Veterano dos quadrinhos nacionais, Braz já havia arriscado novas facetas do vampirismo numa história publicada no número 5 da saudosa revista Spektro (uma edição especial só com HQs de vampiros), em que o protagonista se sacrificava por amor. Uma segunda tentativa, entretanto, foi rejeitada pela editora Vecchi e não chegou sequer a ser desenhada. O curioso é que a descrição de Ataíde Braz para essa história tem tudo o ver com o modelo vampírico pós-Anne Rice: "Era sobre um vampiro atormentado por um fantasma. Toda madrugada, antes de o sol nascer, ele recebia a visita deste fantasma, ele mesmo quando ainda era mortal. Era um vampiro que questionava a imortalidade. Que se angustiava ao ver todas as suas referências, sua época, tudo desaparecendo, mudando. E sentia saudades da sua vida como mortal. De quando a vida o surpreendia. E, no fim, o fantasma o convence a permanecer na janela e ver o sol nascer e assim se juntar aos que ele amava e que já tinham partido."

"É preciso decepar sua cabeça". "Desnecessário,
quem violaria seu túmulo?". Hmmm...
Na esperança de conseguir ser publicado, o primeiro número propositalmente abriu o máximo de concessões possíveis ao esquema dos quadrinhos de horror nacional da época, com direito até ao conde sendo expulso de uma igreja por um padre gritando "Vade retro, Demônio!" (no decorrer da série, a tradicional vulnerabilidade dos vampiros a símbolos religiosos seria "relativizada" quando Braz apresenta a ideia de que é a "essência não maculada pelo ódio" do portador da cruz que realmente afeta o vampiro, não o símbolo religioso em si, o que talvez seja só uma outra forma de dizer que é preciso ter fé pra funcionar, mas ainda assim algo pouco comum na época). Finalmente a Nova Sampa topou a empreitada, dando aos autores a liberdade de continuar a história sem interferências e sem um número pré-definido de edições. O resultado foi uma trama sólida, construída lentamente em capítulos de 60 páginas progressivamente mais cativantes, sendo as edições # 3, # 4 e # 5 as mais bem acabadas, tanto nos roteiros quanto nos desenhos cada vez mais seguros de Harue. Mas como azar pouco é bobagem, o primeiro número foi pego em cheio pelo famigerado Plano Cruzado, tendo seu preço de capa congelado por um ano, o que complicou muito as chances de continuidade. Com tiragens pequenas, distribuição limitada e temática tão desacreditada, a série tinha poucas chances de ser conhecida, mas surpreendentemente vendeu bem e obteve uma resposta até satisfatória, em especial do público feminino.

Ainda assim, os custos e as dificuldades para lançar cada número deixavam claro que a coisa não poderia prosseguir por muito tempo. E Drácula acabou sendo encurralado por seus inimigos (de maneira similar ao livro de Stoker), vindo a morrer juntamente com sua amada Mina, no desfecho da edição # 5, frustrando as esperanças de muit@s leitor@s que escreviam para a redação pedindo um "final feliz".

Uma maravilhosa promessa tristemente
não cumprida.
Ou não? Algum tempo depois do final da série, a Nova Sampa lançou a edição especial O Retorno de Drácula - Um Vampiro no Ragtime, trazendo o conde de volta a vida em plenos anos 20. Seguindo a mesma estrutura de 60 páginas, a revista foi uma maravilhosa promessa tristemente não cumprida. O início de uma nova trama em que Drácula, livre dos caçadores de vampiros já falecidos, inicia uma busca pelo corpo desaparecido de Mina, ao mesmo tempo em que se envolve com novos e fascinantes personagens.

Mais seguros depois da boa recepção da série original, os autores criaram uma história ainda mais envolvente e bem executada, com ganchos suficientes para várias edições, agora sem a obrigação de seguir a trama do livro. Entre os novos personagens estava a fogosa francesinha Anne, criada sob medida para virar a cabeça do mulherengo conde, e o jovem Holt, um então praticamente inédito personagem homossexual não estereotipado com uma visível queda pelo vampiro, uma ousadia rara para qualquer mídia na época, especialmente o conservador mercado de quadrinhos brasileiro.

Fazia parte dos planos que a nova série girasse em torno da rede de desejos formada entre Drácula, Anne, Holt e as ressuscitadas Maria e Mina (um plot que também teria antecipado os jogos de sedução bissexuais dos vampiros de Anne Rice) e culminaria na vinda de Drácula para o Brasil!

Alguém sabe holandês?
Infelizmente, os problemas na economia do país acabaram decretando o fim da empreitada e Um Vampiro no Ragtime não passou dessa primeira edição. Mas a aventura do conde em São Paulo chegou a ser publicada… mas não no Brasil. Os roteiros inéditos foram adaptados e resumidos na forma de um álbum de 48 páginas lançado na França, Bélgica e Holanda.

Os fãs brasileiros nunca puderam saber como a história terminaria, tendo que se contentar apenas com tímidas tentativas de reedição da série original. No finzinho dos anos 80, a Nova Sampa republicou os dois primeiros números, mas mesmo com belas novas capas de Neide Harue (com um Drácula claramente inspirado no ator Christopher Lambert!) aparentemente as vendas não compensaram uma continuidade.

Tempos depois, chegou às bancas uma edição encadernada contendo a série completa (menos Um Vampiro no Ragtime). Na verdade era um encalhe com páginas borradas que manchavam as mãos de tinta, ainda assim, esse volume continua sendo a melhor chance para os interessados em adquirir a obra, pois aparece ocasionalmente em sebos virtuais. Já as edições originais são tão raras que nem mesmo os autores têm uma cópia. Até bem pouco tempo sequer havia scans disponíveis na internet.

Acho que Neide Harue tinha um fraco pelo
Christopher Lambert.
"Mas se a série é tão boa não seria viável reedita-la hoje?", alguém pode perguntar. Bom, houve tentativas. Anos atrás (algum tempo depois da primeira versão desse artigo sair) eu soube que havia planos para um relançamento em forma de livro da série completa, incluindo o material publicado na Europa. Mas, como costuma acontecer, o tempo passou e o projeto não saiu do papel. O fato é que timing é tudo. Se por um lado chegar cedo demais não ajudou, chegar tarde demais pode ser pior ainda. Durante o grande boom do vampirismo a la Anne Rice, entre os anos 90 e começo do século XXI, muito provavelmente a série iria parecer apenas "mais uma" (com o agravante de talvez até ser acusada de "seguir a onda" dos trocentos mangás brasileiros que começaram a sair um atrás do outro). Hoje em dia então, quando o novo paradigma já se esgotou a ponto de virar ou farsa (True Blood) ou piada (Crepúsculo), e os conceitos muito mais sólidos do gótico clássico começarem a ser novamente resgatados pela cultura pop (Penny Dreadful) é fato que muita coisa de Drácula - A Sombra da Noite que se mostrava tão fresca e arrojada em 1985 hoje parece mesmo datada, no pior sentido possível. O próprio romantismo da série soa bastante machista no contexto atual por mais que sua Mina Murray na época fosse mais avançada do que o mercado editorial brasileiro dava conta. Sinceramente, eu continuo gostando muito da série, especialmente pelo fato de que sua tentativa de uma nova abordagem não rompe de maneira tão absoluta com os pressupostos do gótico tradicional, como o gênero vampírico acabaria fazendo posteriormente, e esse equilíbrio me parece protege-la do esgotamento que hoje faz com que até as releituras de Rice não pareçam tão interessantes (o mesmo equilíbrio que mantém Drácula de Bram Stoker como um dos meus filmes favoritos).

A estilização do mangá, que se tornaria tão corriqueira
no Brasil apenas alguns anos depois.
Mas essa é uma visão pessoal, que não espero que seja partilhada pela maioria. Com todos os seus acertos e erros, a obra de Ataíde Braz e Neide Harue tem sua força e sua fraqueza no contexto em que foi criada, como um "elo perdido" entre dois paradigmas do mito do vampiro, além de ter apontado caminhos para a crise que os quadrinhos de horror brasileiros atravessavam na época. Só isso já seria suficiente para merecer mais do que meia dúzia de entradas no Google e ter seu lugar garantido entre os mais significativos trabalhos da história editorial dos quadrinhos no Brasil.

* Agradecimentos especiais a Ataíde Braz, pela disposição em esclarecer as dúvidas tanto do autor deste artigo quanto do garotinho que um dia encontrou o número 5 de "Drácula - A Sombra da Noite" numa banca de gibis usados em São Paulo e passou anos tentando descobrir de onde aquilo tinha vindo. E também a Neide Harue, por ter estimulado os sonhos erótico/românticos desse mesmo menino com suas mulheres espevitadas de rostinhos redondos. 💓

8 comentários:

  1. Conheci Dracula A Sombra da Noite na época que foram publicados. Consegui completar a coleção do 1 ao 5. Mais o único número do Retorno de Drácula - Um Vampiro no Ragtime. Me apaixonei pela estória, pelos desenhos e pelo vampiro charmoso. Porém, emprestei a coleção a um amigo e o número 4 nunca mais voltou porque ele perdeu. Fiquei muito triste! Mesmo depois de anos não me conformava com minha coleção incompleta. As revistas que restaram guardei a 7 chaves. Somente hoje procurei na internet uma forma de comprar o n°4. Até agora não encontrei. Mas encontrei este texto que li e adorei. Em alguns trechos me fizeram lembrar exatamente os mesmos sentimentos que tive na época em que conheci Dracula A Sombra da Noite de Ataide Braz e Neide Harue. Se tiver uma dica para eu conseguir o n°4 ficarei muito feliz. Não precisa ser original, pode ser cópia. Um grande abraço!

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    1. Não querendo desanimar, mas vai ser bem difícil encontrar essa edição na internet. Pra você ter uma ideia, eu mesmo não tenho a coleção original, nunca sequer tive as revistas em mãos, só conheço as capas porque o autor me enviou as imagens. O único número que eu tenho é o 5. Os números 1 e 2 eu tenho a reedição, mas só li a série completa quando comprei a edição encadernada. Eu sugiro que você tente achar o encadernado, talvez no Estante Virtual, acho mais provável de aparecer pra vender. Na época que eu escrevi esse artigo, o Ataíde me disse que nem ele tinha cópias das edições originais, mas você pode tentar entrar em contato com ele também: http://ataidebraz.wordpress.com/

      Desculpe não poder ajudar mais. É o grande problema de emprestar quadrinhos. Até Shakespeare já dizia: "Nunca empreste ou peça emprestado, porque quem empresta perde o objeto e o amigo e aquilo que é emprestado nunca volta melhor". =)

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    2. Pior fui eu, tive a coleção antiga completa, depois comprei o volume único e hoje só tenho o download das revistas.

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  2. Apesar dos anos, Drácula ainda é lembrado por muitos um personagem, especialmente como um clássico do gênero horror. Eu amo tudo o que tem a ver com isso e agora estou vendo Penny Dreadfull Temporada 2 disfrutado muito de um remake do Drácula, eu convido você para ver o show e julgar por si mesmo o adapatción de Drácula neste proposta TV

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  3. Li uma das revistas quando era adolescente , 14/15 anos , não tenho certeza, mas me apaixonei pela estória .
    Se alguém tiveres revistas em pdf ficaria muito feliz em poder lê-las novamente !
    Abraços

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    1. https://downloaddehqs.blogspot.com/2019/11/dracula-sombra-da-noite-1985-1987.html baixei os 5 volumes neste site.

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  4. Comprei a versão encadernada lá pelos idos de 90, em plena praça da Sé, aqui em SP. Amei a história desde a primeira vez que a li. Este hq sempre foi meu xodó em meio a meus Conans, Sandman do Neil Gaiman, Manara entre outros. E que bom saber que foi escrita antes do Dracula de Bram Stoker! Parabéns por escrever um texto tão bom sobre uma hq tão bacana feitas por um pernambucano e desenhada por uma mulher. �� Valeu!! E que bom revisitar o passado em um tempo onde tudo é delivery e a arte parece que só serve a nostálgicos.

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