Não lembro onde foi que li que todos os filmes da Tyburn Film Productions Limited estariam enroscados numa espécie de limbo de direitos autorais e que, por isso, não adiantaria nem esperar por um relançamento em DVD, muito menos uma remasterização pra bluray. Imagino que seja verdade. Faz anos (décadas?) que os únicos releases disponíveis na rede são uns rips toscos de VHS, lançados lá pelos anos 80, que, de algum modo, até parecem combinar com a obscuridade do estúdio. Foram três produções pra cinema, lançadas entre 1974 e 75, todas flopando nas bilheterias, e logo a tentativa do Kevin Francis, o filho do cineasta Freddie Francis, de resgatar os dias de glória da Hammer Films em plena década de O Exorcista, já não era mais do que uma nota de rodapé na história do cinema de horror britânico. Também, que ideia?!🤔 A própria Hammer já estava escarrando sangue e respirando por aparelhos, tentando debilmente "se modernizar" e manter alguma relevância diante do furioso cinemão de horror setentista americano. Tudo que o mercado não comportava naquele momento era mais um estúdio, fora a Amicus e a Tigon, apostando suas fichas no combalido formato do terror gótico old school.
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Kevin Francis com Peter Cushing no set de The Ghoul, 1974. Ele não tinha uma carinha de quem abriria uma locadora de filmes de arte no interior de São Paulo?😅 |
Me faz lembrar uma locadora que abriu, certa vez, na minha cidade, aqui no interior de São Paulo, que era inteiramente focada em obras clássicas, cults e alternativas, tanto pra locação quanto pra venda. Um pequeno oásis de finesse e cinefilia, em meio às blockbusters da vida. Fechou em três meses, se tanto. O dono, pelo visto, não tinha feito nenhum tipo de estudo de mercado, confiou apenas no próprio gosto... e na arte. Péssima ideia, numa cidade que, alguns anos depois, elegeria Bostonauro com 80% dos votos.😒
Mas quer saber? Simpatizo. Há algo de comovente nessas iniciativas quixotescas maravilhosamente sem noção. Claro que não deve ser nada divertido se você tem que arcar com as dívidas do fiasco (o que, é bom lembrar, nem sempre recai sobre os verdadeiros responsáveis pelas cagadas), mas ao menos a nota de rodapé que a Tyburn legou para o gótico britânico é daquelas que vale a pena dar uma paradinha na leitura do livro e prestar um pouquinho de atenção. Ouso dizer que, dos três títulos que a Tyburn lançou (teve mais alguns, uns anos depois, porém já voltados para o mercado de home video), dois são, no mínimo, obrigatórios para qualquer fã do gótico que se preze, o que, tecnicamente, significa que mais da metade dos filmes do estúdio vale a pena.😜
Quer dizer... "obrigatório" talvez seja uma palavra forte (quem sou eu pra obrigar alguém a fazer o que quer que seja?). Digamos que eu... "aconselho" a dar uma olhada carinhosa ao menos em Legend of the Werewolf e The Ghoul. Ambos de 1975, ambos dirigidos pelo papai do Kevin, o Freddie Francis, e ambos lançados no Brasil em VHS pela finada e (nada) saudosa MacVideo. Claro que não vão achar muita novidade em termos de enredo, a intenção definitivamente nem era essa. Os roteiros que o Anthony Hinds (ainda sob o pseudônimo de John Elder, dos seus tempos na Hammer) providenciou para o recém fundado estúdio, são claras reciclagens respectivamente de The Reptile (1966) para The Ghoul, e de The Curse of the Werewolf (1961) para, claro, Legend of the Werewolf. Mas é justamente na familiaridade e no afeto para com a abordagem gótica que esses filmes de fato nos pegam. Seja pelos cenários enevoados das charnecas em que a Veronica Carlson se perde em The Ghoul (o Francis Pai sempre foi um dos diretores de fotografia mais refinados do cinema britânico), ou pelos esgotos que David Rintoul assombra, em Legend, com seus trajes rasgados e os dentes afiados ainda pingando sangue. Não era o que as audiências queriam ver na época, e quanto a isso, não há o que fazer. Mas quem estiver em busca de algo assim hoje (como nós sempre estamos), não terá muita coisa de que reclamar.
Mas quer saber? Simpatizo. Há algo de comovente nessas iniciativas quixotescas maravilhosamente sem noção. Claro que não deve ser nada divertido se você tem que arcar com as dívidas do fiasco (o que, é bom lembrar, nem sempre recai sobre os verdadeiros responsáveis pelas cagadas), mas ao menos a nota de rodapé que a Tyburn legou para o gótico britânico é daquelas que vale a pena dar uma paradinha na leitura do livro e prestar um pouquinho de atenção. Ouso dizer que, dos três títulos que a Tyburn lançou (teve mais alguns, uns anos depois, porém já voltados para o mercado de home video), dois são, no mínimo, obrigatórios para qualquer fã do gótico que se preze, o que, tecnicamente, significa que mais da metade dos filmes do estúdio vale a pena.😜
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O VHS de A Lenda do Lobisomem (1975) que circulava pelas locadoras brasileiras nos anos 80. Nunca loquei, mas não teria gostado. Na época era meio tchongo.🤤 |
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E o VHS de O Carniçal (1975), melhor tradução possível para o termo "ghoul". John Hurt, claro, rouba a cena, como lhe cabe, mas juro que me lembro de uma outra capa, com o Cushing, que nunca achei na net. Terei sonhado?🤔 |
E é justamente nesse espírito de aproveitar ao máximo o elenco que tem nas mãos, que Peter Cushing se torna o centro e a alma desses filmes. E de formas curiosamente opostas. Em The Ghoul ele é o "senhor da castelo", por assim dizer, o protagonista típico do Imperial Gothic, que enreda as vítimas incautas que se perdem na charneca, pra alimentar o segredinho sujo de família que trouxe da Índia consigo. E o faz, é claro, com todo o charme e finesse que lhe eram peculiares. Quase com gentileza. Uma atuação melancólica que combina muito bem com seu estado de espírito na época, interagindo com o retrato da esposa recém falecida, para o desconforto de colegas de elenco e da equipe (comentei sobre isso certa vez). Uma das mais memoráveis das suas "performances de luto" dos anos 70, quando parecia escolher os papéis a dedo pra botar pra fora todo o pesar, a tristeza, ou mesmo a raiva pela perda prematura, da qual, aliás, nunca se recuperou (sempre me perguntei se Star Wars não teria sido um desses).
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Peter Cushing roubando o filme em Legend of the Werewolf (1975). Tem como não amar?🤗 |
Mas não temam, Legend não deixa de nos presentear com um licântropo até bastante digno. Daqueles que dependem mais da performance de um ator do que da destreza de uma equipe de efeitos especiais, como era nos tempos pré-O Lobisomem Americano em Londres. Não dá pra comparar com The Curse of the Werewolf, que, afinal, foi um dos melhores filmes do período áureo da Hammer (e o meu favorito pessoal do subgênero), mas funciona bem como uma variação (ainda mais) livre da mesma fonte, o romance clássico de Guy Endore (eternamente ignorado pelas editoras brasileiras), O Lobisomem de Paris de 1933. Demora um pouco para a coisa engrenar. A mistura esquisita de história de lobisomem com Mogly, o Menino Lobo dos primeiros quinze minutos faz a gente levantar uma sobrancelha, mas assim que David Rintoul consegue chegar na civilização, e arruma um trampo de quebra-galho no decrépito zoológico da cidade, o filme se encontra, e nos leva com ele numa trama simples e charmosa, fortemente ancorada nas performances pitorescas do elenco, como a do zelador adoravelmente antipático de Ron Moody. Tudo isso desembocando no memorável encontro de Cushing com o "Homem Lobo" (muito mais homem do que lobo) nos esgotos da cidade, numa cena tão impactante que me faz lamentar demais o fato de que, provavelmente, nunca a veremos em alta definição.😔
Mas quem sabe, né? Se até o Incubus conseguiu ser resgatado... A esperança, como se diz, é a última que morre (não que adiante muito se você morrer primeiro😅). Até lá, a gente se vira como pode, e tenta, na medida do possível, manter o fracasso do Kevin Francis vivo para as novas gerações. Caso alguém se interesse pelos títulos que achei por bem passar batido, Persecution, de 1974 tem lá seus momentos (não muitos), Murder Elite, de 1985, eu adoraria se alguém me enviasse um link baixável (nem link pro Wikipédia ele tem). Já o The Masks of Death (1984)... bom, The Masks of Death talvez eu comente algum dia... quando tiver a chance de assistir um pouquinho mais do Sherlock Holmes de Peter Cushing.😉
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